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Opinião | 'Ninguém Sai Vivo Daqui', um libelo antimanicomial

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
 

Ninguém Sai Vivo Daqui, de André Ristum, drama que estreia nesta quinta-feira, é adaptado do livro-reportagem de Daniela Arbex, Holocausto Brasileiro, que conta casos do tenebroso hospital psiquiátrico de Barbacena. O local é um ícone dos abusos da psiquiatria tradicional, denunciados por Michel Foucault em História da Loucura, e também por vários outros autores. Helvécio Ratton fez um documentário, Em Nome da Razão, sobre o assunto e sobre o estabelecimento mineiro.

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A tradição do tema firmou-se no cinema em obras como aquela que talvez seja seu paradigma - O Estranho no Ninho, de Milos Forman. O cinema brasileiro também tem sua cota de filmes antimanicomiais de viés ficcional, como Loucos por Cinema, de André Luiz Oliveira, e Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky, ambos vencedores do Festival de Brasília. Aliás, Ninguém Sai Vivo Daqui foi apresentado ano passado no mesmo festival, só que fora de concurso, na abertura da mostra.

Ristum toma alguns casos descritos por Daniela Arbex em seu livro e lhes dá tratamento ficcional. Em especial, a história da protagonista, uma mocinha que engravida do namorado e recusa o casamento de conveniência arranjado pelo pai autoritário para encobrir o caso. Em represália pela desobediência, o fazendeiro manda a filha à "Colônia". Arranja um diagnóstico médico de esquizofrenia e a moça é enfiada num trem, junto com um amontoado de pessoas classificadas como loucas.

Sabe-se há muito tempo que instituições desse tipo serviam não a fins terapêuticos, mas como punição a rebeldes e indesejáveis de todos os tipos que para lá eram remetidos por seus maridos, filhos e amantes. "Para o próprio bem da pessoa", como se dizia.

Esse "trem dos loucos" também faz parte da mitologia mineira em torno do tema da desrazão. Está no centro de  um dos mais geniais contos de Guimarães Rosa, Sorôco, Sua mãe, Sua filha, com o personagem-título conduzindo mãe e filha ao trem fantasma cujo destino final seria a colônia para "alienados". O desfecho do conto é uma epifania. Rosa está em outro patamar.

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No filme, quando a moça é jogada no vagão em uma estação em Jardinópolis, no interior paulista, aparece a data da ação ficcional: 1971. É o primeiro espanto. Será que esse tipo de coisa ainda existia no Brasil na década de 1970, num país governado por uma ditadura militar cuja palavra de ordem era a modernização, ainda que conservadora? Sim, existia, não há por que duvidar.

A filmagem é toda em preto-e-branco, opção considerada ideal pelo diretor para o tratamento de tema tão sofrido. Elisa (Fernanda Marques) sofre o diabo naquela masmorra medieval, mas encontra aliados e aliadas. Há o inevitável vilão, o enfermeiro vivido por Augusto Madeira, que pretende abusar da moça. Mas há também a paciente interpretada por Rejane Farias (de Marte Um), internada há muito tempo e vivendo à espera de um filho que nunca aparece. Andréia Horta (de Eliz) faz o papel da amante de um político local que promete a cada visita tirá-la dali. Bukassa Kabengele interpreta outro interno rebelde. Enfim, o sistema é o inferno e, dentro dele, existem os bons, os maus - e as vítimas, claro.

Nesse sentido, o filme dialoga com o melodrama, e mesmo com o folhetim, em especial em uma situação de fuga, quando a mocinha tenta escapar das garras do seu algoz. Ignora a verossimilhança em várias passagens e, vez por outra, abusa da trilha sonora para produzir um clima de terror. Direção de mão pesada para tema nada leve.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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