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29 de jan. de 2025
Diário crítico (3)
O título do novo filme de Julio Bressane (em parceria com Rodrigo Lima) tem um título ameaçador - Relâmpagos de críticas, murmúrios de metafísica. Dizem que é tirado de palavras de Fernando Pessoa. A conferir.
Filme de montagem, nele Bressane faz uma espécie de arqueologia do cinema brasileiro. Arqueologia parcial ao menos. Começa pela fase muda para chegar, na atualidade, ao seu próprio cinema. Ao cinema já classificado como "marginal", movimento no qual ele divide a primazia com Rogério Sganzerla. A verdade é que eles nunca gostaram de ser chamados de "marginais", embora o termo tenha se tornado habitual nos estudos sobre o cinema da época, inclusive nos meios acadêmicos. Preferem denominações tais como "cinema de invenção", ou, melhor ainda, "cinema experimental".
Em Relâmpagos de Críticas, Murmúrios de Metafísica, Bressane e Lima vão buscar algumas iluminações em obras tão díspares como Fragmentos da Vida, Exemplo Regenerador, Limite, O Cangaceiro, Aviso aos Navegantes, Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, etc, para desembocar na própria filmografia de Bressane, em O Anjo Nasceu, Cuidado Madame, Barão Olavo, Memórias de um Estrangulador de Loiras, etc, sem deixar de lado os trabalhos de Sganzerla, do clássico Bandido da Luz Vermelha ao irreverente Copacabana Mon Amour. É como uma teleologia que aí se esboça, em que tudo que vem antes prepara o terreno para um lugar de chegada - o tal cinema marginal, ou experimental.
Em se tratando do filme, propriamente dito, Relâmpagos de críticas, Murmúrios de Metafísica Funciona de forma hipnótica e sedutora sobre o espectador, em especial, imagino, sobre aquele que tem uma noção da história do cinema brasileiro. Vemos essa história desfilar diante dos nossos olhos numa montagem inspirada e fluida, que não nos deixa jamais indiferentes. É o devir da História, mesmo que seja incompleto e fruto de uma escolha pessoal que alguns podem classificar de arbitrária.
Algo, ou muito se esclarece, quando voltamos a um texto de Bressane de 1993 - O Experimental no Cinema Nacional - que, na verdade, inspira essa vocação arqueológica de Relâmpagos de Críticas, Murmúrios de Metafísica. E também de A Viagem do Ônibus Amarelo, este uma visita concentrada de Bressane sobre sua própria obra, de mais de seis horas de duração.
Enfim, no texto de 1993, presente no catálogo do festival, Bressane faz uma retrospectiva de filmes brasileiros para chegar à conclusão da vocação incontornável do cinema brasileiro para o cinema experimental. Entre esses filmes, as imagens mitológicas da Baía da Guanabara pelos irmãos Segreto, em 1898, os documentários do Major Thomaz Reis, Limite, as filmagens de Lampião e seu bando pelo mascate Benjamin Abrahão, O Cangaceiro, de Lima Barreto. Eis a fórmula: "O cinema experimental no Brasil vive desde 1898. Noto que nosso cinema ou é experimental ou não é coisa alguma".
Esse texto também é uma das fontes inspiradoras do tema desta 28ª Mostra de Tiradentes, resumida numa pergunta: "Que cinema é esse? Pergunta que, de forma enviesada, reverbera a de André Bazin em sua coletânea O que é o cinema? Com alguma nuance, pois a pergunta sem resposta de Bazin - Qu'est-ce que le cinéma? - tem um cunho essencialista. Ao passo que a pergunta-tema da Mostra de Tiradentes, ainda que inspirada em Bressane, parece mais ancorada no estado das coisas do cinema brasileiro, em especial o da atualidade. Para onde vai esse cinema quando tiver passado esse momento de euforia com dois filmes beirando públicos de 4 milhões de espectadores e um deles indicado a três categorias no Oscar? E para onde vão os filmes que têm um momento de brilho nos festivais e depois caem no olvido? Difícil dizer.