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Opinião | Varilux 2024: Da vingança do Conde de Montecristo à intimidade de Truffaut

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Pierre Niney como Edmond Dantès ou Conde de Montecristo  

Já começou o Festival Varilux do Cinema Francês de 2024, trazendo 20 filmes, espalhados por diversos cinemas e em várias cidades do país. Uma senhora divulgação do cinema francês no exterior, que chega à sua 15ª edição. A programação completa, você encontra no site: https://variluxcinefrances.com/2024/

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A curadoria do festival procura trazer uma amostra diversificada do que se faz atualmente na França, mesclando filmes mais populares a outros, considerados (às vezes erroneamente) mais "fechados". Além dos contemporâneos, há um destaque da série histórica, homenagem a Alain Delon, morto em agosto. Trata-se de O Sol Por Testemunha (Plein Soleil), de René Clement, em que Delon interpreta Tom Ripley, o maligno personagem criado por Patricia Highsmith. Filmaço. 

Em termo de popularidade, nenhum deles supera a mais nova versão de O Conde de Montecristo, baseado no famoso folhetim de Alexandre Dumas. Consta que esta, que seria a 24ª adaptação para o cinema da obra de mais de 1200 páginas no original, teria levado mais de 10 milhões de franceses às salas. 

Com bons motivos. Afinal, o longa, de três horas de duração, oferece diversão e emoção garantidas. Com Pierre Niney no papel de Edmond Dantès, o filme corre solto, modernizando um pouco as situações engenhosas imaginadas por Dumas no século 19. Moderniza mas não as desfigura. 

Vítima de uma intriga política, Dantès, um homem do mar promovido a capitão, é preso no dia do seu casamento e encarcerado numa masmorra no Castelo de If, onde permanece durante 14 anos. Em meio a um sofrimento infindável, tira a sorte grande ao conhecer na prisão o abade Farias, que lhe dá instrução universal e, em especial, revela a localização de um grande tesouro dos templários. Quando consegue fugir, Dantès toma posse da fortuna e põe em prática a vingança urdida nos anos de sofrimento e solidão. 

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A história é uma reflexão sobre o perdão e a vingança, e até mereceu um bonito ensaio de Antonio Candido de Mello e Souza em seu livro Tese e Antítese. O título não poderia ser mais simples nem mais incisivo: Da Vingança. Vale a pena ser lido. E também vale muito a pena ver o filme, que traz, além de Niney, o ator Pierfrancesco Favino, como o abade Farias, e a incrível Anamaria Vartolomei no papel de Haydée. É dirigido pela dupla Matthieu Delaporte e Alexandre de la Patellière, que já havia trabalhado no roteiro de Os Três Mosqueteiros, outro folhetim universal de Dumas. 

Bom também prestar atenção a Bolero, o Mistério de Ravel, Anne Fontaine, com Raphael Personnaz no papel do atormentado compositor. Durante os anos 1920, os chamados "anos loucos", a bailarina Ida Rubinstein (Jeanne Balibar) encomenda um bailado a Ravel. Em crise de criação, ele demora a conceber a peça que o tornou célebre, o Bolero, com suas 17 repetições do mesmo tema, em "crescendo". Uma inscrição no filme afirma que "Não se passam 15 minutos sem que o Bolero seja executado em algum canto do mundo". Em paralelo a essa ao processo dessa composição, acompanhamos a vida problemática do compositor, sua dificuldade em se relacionar com homens ou mulheres. A beleza da música - da arte enfim - sobressai sobre essas limitações. 

Em paralelo, pode-se assistir a 1874, o Nascimento do Impressionismo, corrente estética ligada à pintura, mas com a qual músicos como Ravel e Debussy dialogam. O ano presente no título refere-se à reunião de nomes como Monet, Degas, Renoir e outros, que, rebelados ao serem sistematicamente ignorados pela pintura oficial da sua época, tida por eles como "acadêmica", resolvem fazer uma exposição por conta própria. O filme revive a história da rebelião desses jovens, que pagam preço alto para se impor diante de dogmas estéticos oficiais e acabam por desencadear uma revolução que abriria novos caminhos para a arte. O filme - a "cinebiografia" de um movimento estético - é dirigido por Julien Johan e Hughes Nancy. 

Já quem cultua o cinema da nouvelle vague não pode perder O Roteiro da Minha Vida - François Truffaut, um documentário assinado por David Teboul e Serge Toubiana. A dupla mobiliza um vasto material informativo para colocar em cena a vida complicada de Truffaut, que até a idade adulta não sabia quem era seu pai biológico e teve uma juventude beirando a delinquência. 

Foi salvo pelo cinema e pelo crítico André Bazin, que convidou o jovem rebelde a escrever nos Cahiers du Cinéma. Passando da crítica à direção, Truffaut fez sucesso desde o primeiro filme, Os Incompreendidos (Les Quatre-Cents Coups), lançado no Festival de Cannes de 1959. 

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O filme também se debruça sobre a série Antoine Doinel, em que Truffaut faz uma espécie de autobiografia sequenciada, sendo sempre representado pelo ator Jean-Pierre Léaud, que o acompanha de Os Incompreendidos até Beijos Roubados, Domicílio Conjugal e outros. 

Fala também das relações tempestuosas do diretor com as atrizes com as quais trabalhava e pelas quais se apaixonava, como Catherine Deneuve, Isabelle Adjani e Fanny Ardant. 

O recorte do doc é intimista e se vale de material variado, das imagens de entrevistas de Truffaut, cenas de seus filmes e trechos de suas cartas, num relato de vida pessoal porém nada invasivo, porque articulado ao seu trabalho e contido pelo "pudeur" francês em relação à privacidade de seus personagens. Muito bom mesmo. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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