PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Vitória 2024: `Quando Eu Me Encontrar', uma história da ausência

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio

 

 

 

Diário crítico (4)

PUBLICIDADE

VITÓRIA - É a terceira vez que vejo Quando Eu Me Encontrar, de Amanda Pontes e Michelline Almeida. Vi-o antes no Olhar de Cinema e na Mostra de Gostoso, ambos no ano passado. É uma circunstância dos festivais - muitas vezes (mas não sempre) os filmes se repetem. Alguns colegas chiam e vão jantar. Eu acabo revendo, em especial filmes de que gosto, como é o caso deste. Como já se conhece o "enredo", pode-se prestar mais atenção nos detalhes e processos de construção da obra.

Mas, como você não tem nada com isso, preciso trazer aqui algo sobre o que trata esse filme cearense.

Dayane vai embora de casa. Deixa um recado para a mãe e põe o pé no mundo. A mãe, Marluce (Luciana Souza), a irmã, Mariana (Pipa) e o noivo, Antonio (David Santos), em graus diferentes entram em parafuso.

Marluce dá um duro danado, vendendo alimentos em sua banquinha de rua. Não tem marido. Quer dar uma vida melhor às filhas. Todo esse projeto parece entrar em pane  na ausência de Dayanne. Tudo parece perder sentido. Mas, aos poucos as peças vão sendo repostas no lugar - e, como se diz, vida que segue.

Publicidade

Esse trauma do abandono atinge também o noivo de Dayanne, Antonio, que passa a frequentar o bar onde à noite se exibe uma amiga íntima de Dayanne, a cantora vivida por Di Ferreira. Antonio quer notícias do paradeiro da noiva. Quer entender por que, sem razão aparente, seu mundo entrou em pane. O registro cinematográfico é de um realismo estrito. A cantora de bar é uma cantora de verdade. A moça que a acompanha ao violâo está de fato tocando o instrumento e não fingindo tocar. E assim por diante. A face de Antonio, em sua interpretação, não deixa dúvidas quanto ao seu estado de perplexidade.

Mas esse realismo não é dogmático. Ele é extrapolado na sequência a meu ver mais emocionante. Marluce vai se encontrar com sua própria mãe, para ver se consegue notícias da filha. O encontro falha, e, por ele, ficamos sabemos de uma situação de abandono que aconteceu na infância com a própria Marluce. Desiludida, e mais triste ainda, Marluce toma um ônibus para voltar à casa. Enquanto viaja no ônibus se ouve Uma Canção Desnaturada, canção de Chico Buarque que faria uma pedra chorar. Sem necessidade de outras palavras que não as da canção, tudo se passa nesse rosto de mãe nos breves momentos em que o filme justifica a si mesmo e se expressa em seu grau máximo.

Curtas

A programação agrupo na noite de ontem quatro curtas de gênero fantástico.

Como Chorar sem Derreter (RJ), de Giulia Butler. A história é a da mulher (Betty Faria) que após ter segurado o choro por muito tempo teve os canais lacrimais entupidos. Uma estranha criança que mora com ela inventa uma máquina para curá-la. A diretora é neta da atriz Betty Faria.

Publicidade

Vollúpya (RJ), de Éri Sarney e Jocimar Dias Jr. Um ser extraterrestre chega à Terra e acaba sendo transportado para uma boate GLS, nos anos 1990. Interessante híbrido de ficção científica e documentário, cujo real objetivo é resgatar a memória de uma mítica boate LGBT+, que existia em Niterói. A dupla de diretores mostrou-se preocupada com a questão da memória LGBT, que acaba sendo apagada da história, às vezes pelas próprias famílias dos protagonistas quando estes morrem. O melhor é essa parte memorialística mesmo, com material de época, milagrosamente recuperado.

Vão das Almas (DF), de Edileuza Penha de Souza e Santiago Dellape. No quilombo Kalunga, uma história de pacto e vingança sobrenatural, em torno da lenda do Saci, do qual existem várias espécies - o Pererê é o brincalhão; o Saçurá faz maldades. Tem seu interesse.

Dias de Pouco Pão e Zero Sonho (ES), de Saskia Sá. Uma mulher oprimida pela vida sem perspectiva compra uma caixa misteriosa que mudará seu destino. Não se pode dizer que seja surpreendente.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.