'Maconha não é porta de entrada para outras drogas', afirmam pesquisadoras

Livro organizado pelas psicanalistas Luciana Saddi e Maria de Lurdes de Souza Zemel reúne artigos sobre aspectos históricos, jurídicos, socioeconômicos e psicológicos da droga

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Maconha: a palavra assusta puritanos, provoca risadas nos menos sisudos e cria polêmica por onde é proferida. Mas nunca passa despercebida. Talvez por isso chame tanta atenção o livro Maconha: Os Diversos Aspectos, da História ao Uso (editora Blucher) chame atenção. Reunindo ensaios de especialistas nas mais diversas áreas, do direito à segurança pública, passando pela antropologia, história e economia. No entanto, a questão que domina o volume é a psicologia, até pela especialidade das organizadoras, as psicanalistas Luciana Saddi e Maria de Lurdes de Souza Zemel.

Álcool é mais prejudicial do que o crack na cracolândia, explicam pesquisadoras Foto: Alex Silva/Estadão

Diferente da abordagem superficial com que o tema das drogas costuma ser tratado na mídia de forma geral, o livro busca compreender aspectos históricos, sociais, econômicos e sobretudo psicológicos por trás do uso da maconha, indo além da mera discussão punitiva e policialesca. “O livro traz uma discussão científica, aborda a droga em suas diversas facetas e não temos uma resposta simples, que em geral é o que se procura”, afirma Saddi em entrevista ao Estadão. “Vicia? Faz mal? A discussão é sempre colocada assim, de uma forma muito banalizada. O livro fala do uso da maconha em seus diversos aspectos, mas deixa para o leitor a resposta sobre se ele deve ou não usar maconha, quando o risco de uso existe.” Para Zemel, que trabalha em consultório e em ações sociais diretamente com a questão das drogas, o problema deve ser debatido em esferas mais amplas do que a mera condenação do dependente químico a um ser marginalizado. “A maconha não é porta de entrada para outras drogas”, esclarece a psicanalista, para quem a difusão desse mito serve a interesses econômicos. “Isso é eleitoreiro, faz com que as internações nas comunidades terapêuticas aumentem. Dá dinheiro aumentar internações, pois essas comunidades recebem dinheiro do governo que poderia ser investido nos Caps (Centros de Atenção Psicossocial)”. Zemel menciona ainda que o álcool é uma droga com potencial destrutivo muito maior pelo alcance que tem, chegando inclusive a ser mais disseminado na Cracolândia que o próprio crack, mas pouco se faz para limitar o acesso ao álcool por interesses econômicos. “Dependendo da forma que se usa qualquer droga, você pode caminhar para a dependência ou não”, acrescenta ela, citando que apenas uma porcentagem muito pequena das pessoas que consomem drogas ficam dependentes. No entanto, a percepção social acerca do usuário de drogas pode corroborar para seu adoecimento, de acordo com Saddi: “Se você é tratado como um dependente quando não é, a chance é muito grande de se produzir uma pessoa que vai ter sérios problemas psíquicos pelo isolamento, pelo preconceito”. Esse preconceito, segundo Zemel, é o que prejudica também quem precisa da maconha para fins medicinais. “Para obter uma receita para uma mãe que tem um filho com 60 convulsões por dia, quem pode dar essa receita? Três médicos do Brasil dão. Porque eles são perseguidos por associações médicas”, afirma ela. “Esse óleo da maconha não ‘dá barato’, não causa dependência, é um remédio.” É justamente para tentar dialogar com o público leigo e, muitas vezes, resistente à discussão, que os artigos reunidos no livro são apresentados de modo a ter fácil compreensão. “Acho que a linguagem, principalmente em alguns capítulos, apela no bom sentido ao sofrimento. O que traz a empatia e pode não gerar um ódio é perceber que estamos falando de vulnerabilidade, de riscos. Alguns capítulos trazem exemplos e com isso vai se desmanchando a ideia do que é um drogado”, afirma Saddi. Para Zemel, o grande problema não é a maconha em si, mas a forma como indivíduos e sociedade se relacionam com ela: “Não queremos focar na droga, mas tratar e cuidar das pessoas.”

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