Ainda me lembro quando num encontro no Festival Piauí Globonews de Jornalismo o futuro tinha um nome: podcast. Me perguntava se era possível um novo meio repetir os métodos de outro que não dá lucro, o rádio. No início, as TVs absorveram o mesmo modus operandi e a equipe das rádios, o que explica a gritaria e redundância de locutores brasileiros, que berram na hora do gol: “Fulano pega na bola, passa para sicrano, que chuta de esquerda e...”. Estamos vendo o passe e o chute. Como brasileiro é doido por novidade, já somos o 3.º país que mais consome podcast no mundo (Ibope), com mais de 30 milhões de ouvintes. Programas de entrevistas, como do Mano Brown, notícias, como Fórum de Teresina, investigativo, como Retrato Narrado, e de “true crime”, como Praia dos Ossos, provam que na terra da telenovela o podcast encontra seu público e linguagem. Alguns pecam pela voz estridente ou jeitão “ler em voz alta para a classe”. A República das Milícias mostra pouco a pouco como o apresentador Bruno Paes Manso muda o estilo de entrevistar, o que reconhece ao vivo; se antes interrompia com interjeições, depois melhorou.
O podcast do momento, A Mulher da Casa Abandonada, incomoda. Rola um debate no grupo de jornalistas do zap. No primeiro capítulo, o condutor Chico Felitti introduz a personagem de nome Mari. Chama de gordinha, mal-educada, excêntrica, fala do rosto empapado e do fedor que exala. Grava sua voz durante a remoção de uma árvore sem anunciar que era jornalista, o que fere a regra número um dos manuais de ética. O autor se mostra surpreso de a personagem ser a moradora da casa (“É ela?”), apesar de estar há 15 minutos gravando. Ganha a confiança, até ser desmascarado no final do episódio. Sua conduta é duvidosa. O caso extrapolou, foi para as páginas policiais. Até o cachorro dela foi roubado. A pergunta que fica é qual o interesse público nele? “A reportagem é sobre um caso de interesse público, de uma pessoa que fugiu de um julgamento por crime de agredir uma pessoa e de submeter essa mesma pessoa a trabalho análogo à escravidão por décadas. Meses depois da gravação da antevéspera de Natal, Margarida foi informada de que essas gravações entrariam na série, e não se opôs. A família de Margarida Bonetti também foi procurada, mas preferiu não se manifestar”, me respondeu o autor Felitti, que não está nada feliz com o circo criado. Tem razão. Denúncias de trabalho doméstico análogo à escravidão dobraram depois que o caso explodiu, do Datena ao Fantástico. Questionam-se os métodos do sensacionalismo. Neste caso, prestou um bom serviço.
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