O que os slogans Take Back Control, Make America Great Again e Brasil Acima de Tudo têm em comum?
Take Back Control foi o slogan criado pelo estrategista Dominic Cummings para angariar eleitores ao Leave (sair), no plebiscito inglês que perguntava se deveriam sair ou ficar na CE (Comunidade Europeia).
A campanha visou a quem tinha saudades dos tempos áureos do Império Britânico, temia imigrantes, avanços progressistas de uma sociedade agora intolerante com racismo e homofobia.
Ganhou de virada e por pouco, com mentiras como a de que o contribuinte gastava £ 350 milhões por mês (R$ 1,7 bilhão) para sustentar o déficit turco, dinheiro que poderia ir ao combalido sistema público de saúde.
A velha exportadora de bens da Revolução Industrial fechou fábricas e virou consumidora na Revolução Tecnológica. Para uma parcela da população, num raciocínio simplista, o sistema político viciado era responsável por tudo de ruim que acontecia.
O mesmo raciocínio deu a Trump uma vitória também inesperada. Numa eleição também apertada. O empresário que estreava na política como antipolítico atacou o establishment e a imprensa pluralista, sugeriu muros para cercar o país e barreiras alfandegárias numa guerra comercial declarada, para trazer as indústrias de novo à América, e transformá-la em grande de novo.
O Brasil nunca foi grande. A campanha de Jair Bolsonaro distorceu que, durante a ditadura, houve prosperidade e paz nas ruas, que torturadores como Brilhante Ustra impediram o avanço das esquerdas que destruíam os valores cristãos que deveriam prevalecer, numa sociedade tomada pela devassidão e violência urbana.
Na verdade, com os militares veio o Milagre Brasileiro, mas o ciclo se encerrou em 1985 com o País no caos: dívida externa, moratória, inflação galopante, anarquia nas polícias, descrédito das instituições, relação promíscua do poder com o crime (bicheiros e tráfico) e uma economia estatizada, especialmente os setores elétrico, telefônico e ferroviário.
Não existe raça predominante, mas Bolsonaro propôs o inacreditável: vamos devolver o poder à maioria. Quem seria? Brancos héteros? E mulheres, que não são minoria nem aqui nem na Turquia, deveriam voltar ao lar e se conformar em ganhar menos que seus companheiros homens.
No bolsonarismo, gays são ameaça. O mesmo raciocínio deu a Trump uma vitória também inesperada. Numa eleição também apertada. Os índios impedem o progresso e a divisão de riqueza. Leis ambientais rígidas atrapalham o desenvolvimento. Os sem-teto e sem-terra devem permanecer sem-nada. O sistema de cotas, deve ser repensado. Artistas não devem receber dinheiro de isenção fiscal.
No mais, a Venezuela está aí para provar que um projeto supostamente socialista pode levar o país à ruína.
Assistir ao filme Brexit – The Uncivil War (HBO) é uma aula de como existe uma massa manipulável, e os novos tempos se tornaram insanos. O que aconteceu na Inglaterra em 2016 aconteceu nos EUA em 2017 e no Brasil em 2018.
Cummings se pergunta como mudar o curso da História. Eliminando a sabedoria convencional. Por que sair da CE? Foi aos pubs e descobriu que ninguém sabia o que um eurodeputado faz e que as pessoas estavam excluídas e incomodadas, temiam pelo futuro dos filhos, sentiam-se mais sozinhas, porque passam muito tempo na internet, não confiavam nos números da economia, e o “socialista” Sistema Nacional de Saúde virara vilão. Por que são obrigados a se tornar uma extensão da Turquia?
Qual a mensagem? Enquanto a campanha Stay (ficar) exploraria a razão, eles partiriam para o emocional. Há uma energia acumulada na população: poços de ressentimentos. Ela precisa vir à tona. Tudo de ruim que poderia acontecer já aconteceu. Mas não poderia ser apenas um slogan e sim um sentimento: Take the Control (Assumir o Controle).
Cummings não quer proximidade com a política tradicional. Quer com banco de dados análises estatistas, algoritmos; ciência. Enquanto antigos líderes imaginam a campanha com folhetos e cartazes, Cummings fala em hackear a política, reprogramá-la, mexer na sua matriz, com um sistema digital para conhecer o eleitor: o Facebook, rede de dois bilhões de usuários curtindo, compartilhando mensagens, revelando seus desejos e segredos.
Entra Rober Mercer na jogada, com Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, chamado pela Time de O Manipulador. “O segredo é saber onde estão os indecisos e convertê-los. Dinheiro é importante, mas dados são poder”, diz Mercer, gênio da computação, especialista em inteligência artificial, que de assessor militar ficou bilionário ao dominar a matemática de obter dados e construir um banco de dados psicossocial dos usuários.
Racista declarado, que afirmou que o Ato de Direitos Civis de 1964 foi um erro, ele é o maior doador de grupos de extrema-direita, candidatos republicanos e, evidentemente, Trump.
Christopher Wylie, que criou o banco psicossocial da Cambridge Analytica (CA), disse ao The Guardian: “Nós exploramos o Facebook para colher milhões de perfis de pessoas e construímos modelos para explorar o que sabíamos sobre eles e direcionar seus demônios interiores”.
A campanha do Brexit se polariza, as pessoas passam a se agredir. A jovem deputada Jo Cox foi esfaqueada, baleada e morta na rua. O assassino gritou “Britain first” (Grã-Bretanha acima de tudo).
Bannon encontrou-se com Eduardo Bolsonaro em agosto de 2018, em Nova York. A campanha de Trump inspirou a do papai: a mesma estratégia de comunicação e a difamação por bots sem limites via redes sociais. Começou a guerra virtual e o ataque à candidatura adversária em setembro. Começou a virada.
Na operação, aponta-se a presença da já notória CA, empresa envolvida na guerrilha virtual das campanhas vitoriosas do Brexit e de Trump.
Ao final, ao ser investigado por uma comissão independente para julgar a manipulação eleitoral, Cummings, que enviou um bilhão de anúncios a eleitores indecisos, admitiu: “Deu tudo errado. Quando há uma falha no sistema, o que você faz? ‘Resseta’. Mas vocês reiniciaram o mesmo sistema da mesma velha política de pensar pequeno e em si mesmo”.
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