Essa história começa, para mim, pela arte. Por um pôster – recorte de um quadro na parede da infância onde líamos, ainda sem entender, num fôlego só, guernica-legado-picasso-museo-del-prado-casón-del-buen retiro. Só depois juntaríamos as outras peças.
Guernica, a grande tela que Pablo Picasso (1881-1973) pintou ao longo de três semanas, entre maio e junho de 1937, ainda sob o impacto das notícias que chegavam da Espanha, seu país natal. Guernica, a cidade do País Basco que vivia uma segunda-feira como outra qualquer quando as bombas começaram a cair. Era 26 de abril de 1937.
História e destruição e como a arte lida com o horror da realidade são matéria-prima para o quadrinista francês Bruno Loth e o colorista Corentin Loth, que lançaram em 2019, e aqui em março último, a HQ Guernica.
Partindo de histórias de pessoas comuns fazendo coisas triviais, Loth vai contando sobre aquele triste dia que viraria símbolo da luta contra o fascismo.
O autor explica o contexto histórico antes de começar sua graphic novel: no começo de 1936, a Frente Popular, uma coalizão de esquerda, ganha as eleições. Mas militares, aristocratas e a Igreja se opõem ao resultado e tentam um golpe de Estado. Ele fracassa, mas dá início à guerra civil que duraria três anos e serviria como uma espécie de prólogo à Segunda Guerra Mundial. Em 1937, o general Franco acreditava que se o foco de resistência no País Basco caísse o resto cairia junto. Ao seu lado estavam a Itália fascista e a Alemanha nazista – e Hitler decide testar novas formas de combate e de intimidação de civis, com aviões. O bombardeio de Guernica é tido como o primeiro ataque aéreo cujo alvo eram os civis.
Os quadrinhos começam com uma conversa sobre como a Espanha se apresentaria na Exposição Universal de Paris e Picasso, embora já vivendo na França, surge como um nome indispensável. Ele é convidado a criar uma obra que representaria a Espanha republicana. Na sequência, acompanhamos uma cena camponesa, com uma família recomeçando após o longo inverno. Voltamos para a casa de Picasso, às voltas com sua encomenda e com um bloqueio criativo. Três meses se passam e retornamos a Guernica, na fatídica segunda-feira. As pequenas histórias vão se desenrolando enquanto aviões deixam as bases alemãs e italianas. 5.500 bombas são lançadas sobre uma vila estupefata. Dois terços dela estarão destruídos ao final e os corpos serão vistos enfileirados na rua.
Tomado de uma “fúria criativa e destrutiva” e usando as “cores da sombra e do sangue”, Picasso ajuda a tornar essa história inesquecível.
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