Desde que começou todo o buzz em torno da série Adolescência, e mesmo antes de eu assistir, uma frase me martelava a cabeça: “É perturbadora a ideia de não saber o que se passa dentro dos nossos filhos”.
Foi a escritora israelense Ayelet Gundar-Goshen quem disse isso em uma entrevista ao Estadão quando lançou Outro Lugar (Todavia, 2022).
O romance é narrado por uma mãe que suspeita que seu filho esteja envolvido em algo muito, muito grave: o assassinato de um garoto da escola. Se ele foi mesmo o responsável, ela pensa, o motivo só pode ter sido o bullying que – ela desconfia – o filho sofreu e escondeu.

O menino é Adam. Como quase todos da sua idade, ele se fecha ao entrar na adolescência e se torna um estranho em casa. Gosto da metáfora que outro escritor israelense fez, também em entrevista ao jornal, e que já comentei aqui tempos atrás. A adolescência é um longo túnel. Quando a pessoa que entrou nele com 13 anos sair, já com 17, 18, será alguém totalmente diferente e novo até para si.
David Grossman falava sobre Aharon, personagem de O Livro da Gramática Interior (Companhia das Letras, 2015). Um menino que tenta encontrar um lugar na sua família e está desesperado por respeito, atenção e amor.

O livro de Grossman se passa no fim dos anos 1960. O de Ayelet, agora. Ontem ou hoje, nossa essência é a mesma. Entramos no tal túnel com mais ou com menos tranquilidade, carregando nossos traumas de infância – o que faltou e o que sobrou. A forma como vamos sair depende muito daquele lugar, daqueles primeiros anos – mas não só, como mostrou Adolescência.
Porque hoje tem algo a mais que a gente não entende. E, em Adolescência, quando o filho do policial vai explicar para o pai o que ele não viu – o que só os jovens veem em seus celulares: o mundo tóxico das relações virtuais – eu não entendo e preciso voltar uns segundo para rever. É tudo muito rápido. Como que para mostrar que se a gente piscar a coisa pode degringolar.
Ayelet Gundar-Goshen disse que queria explorar questões atuais sobre criação de filhos e discutir se conhecemos realmente os nossos e se queremos mesmo conhecê-los. Se estamos dispostos a saber tudo sobre quem amamos ou preferimos permanecer cegos a certos elementos de suas vidas para continuar a amá-los.
Jamie, na série, estava no quarto ao lado o tempo todo. Seguro em casa, os pais pensavam. Fazendo o quê? Ouvindo e falando o quê? E então ele é acusado de se envolver em algo muito, muito grave: o assassinato de uma garota da escola.
O debate que a série levantou mostra como estamos perdidos nesse mundo veloz, mas que algumas coisas não mudam: toda criança precisa de cuidado, atenção, respeito, limite e amor.
E isso me faz lembrar do título de outro livro, do Kundera, que não tem nada a ver com a história mas que serve como recado para quem vive conectado: A Vida Está em Todo Lugar.