Lygia, personagem centenária de um dos contos de As Velhas, de Adília Belotti, vê a porta da vizinha aberta e encontra Eugênia desolada diante do impacto de um encontro que, naquele dia, acabou disparando uma crise existencial. Elas não se conhecem. Lygia a acolhe, acalma. Elas conversam. Eugênia tem diante de si a possibilidade de um novo caminho, mas se sente velha – ao que a senhora responde: “Tanta gente envelhece antes da hora”.
Jornalista e coordenadora do Clube dos Escritores 50mais, a autora reúne 12 contos sobre mulheres que estão envelhecendo. A questão é encarada com mais ou menos drama por essas personagens que dão nome aos contos e cujas histórias acabam se entrelaçando de alguma forma.
O cenário é sempre São Paulo. Centro ou periferia. Centro e periferia. Ruas, ônibus, táxis. Uma volta pela cidade no banco traseiro, entre uma notícia aterrorizante e o fim de tudo. Um olhar perdido para o vaivém da Marginal, do alto de um prédio, ou a busca de um olhar e de um sorriso pelo espelho retrovisor. Um corpo em choque com um caminhão ou estirado na cama.
Há morte, mas há, sobretudo, vida – com suas alegrias e limitações, e com lembranças de um passado que vai ficando cada vez mais distante e recheado de ausências. E há encontros tocantes, afetos e sororidade.
As histórias de As Velhas podem ser lidas de forma independente ou o leitor pode seguir o fio deixado pela autora. Assim: a personagem secundária de um conto vira protagonista no outro, e dessa forma vai se construindo esse painel de mulheres que já passaram dos 50 e vivenciam o processo de envelhecimento – não na poltrona diante da TV, mas na cidade em que transitam e trabalham.
Jô é a “velha” que abre o livro. Uma mulher semianalfabeta, de 70 anos, que se divide entre a casa onde trabalha, em São Paulo, e a dela, em Diadema. Entre sua vida e a de dona Cida, a quem ela venera e tem como uma espécie de santa, e com quem convive há cerca de 50 anos. O conto acompanha uma volta dela para casa, a insegurança com um diagnóstico recente e o medo de não poder mais trabalhar.
A história de Cida vem depois. Ela é uma jornalista de 60 anos às voltas com uma reunião de pauta e uma notícia inesperada, que a faz atravessar a cidade com Eugênia, motorista de aplicativo, na direção. No destino, conhece Maria, que depois também vai precisar de um táxi. Eugênia aparece de novo. E de encontros e desencontros, amores silenciados e vividos, lembranças do passado e planos de futuro, a teia da vida vai se formando.
As Velhas
Autora: Adília Belotti
Editora: Jandaíra (128 págs.; R$ 53)
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