Quantos mistérios se escondem ali do outro lado da porta? Ou será que é um fantasma que está lá? Ou um monstro, um ladrão, o abismo? E do lado de lá do sono e da escuridão?
Criança tem medo. Quase sempre, e é normal. Ouve barulho estranho no banheiro. Não quer ficar sozinha no quarto.
Há uma crescente literatura de autoajuda infantil por aí, com a promessa de mostrar aos pequenos como lidar com seus sentimentos. E há a boa e velha literatura com seus livros que sempre fizeram isso, mas de um outro jeito – espelhando o que as crianças sentem e ainda não sabem nomear, promovendo um encontro seguro e acompanhado com suas questões internas. Escrevo hoje sobre quatro títulos.
O primeiro não é tão profundo assim, mas é divertido. Tem um Monstro no Seu Livro (Caminho Suave, 2023) foi escrito por Tom Fletcher, vocalista e guitarrista da banda McFly, e tem ilustrações de Greg Abbott. Diz na contracapa que se trata de um livro interativo para ler antes de dormir. Mas é interativo demais para um momento que é pra ser calmo.
O leitor é convidado a chacoalhar, inclinar, virar o livro – e a gritar, e depois a gritar ainda mais alto para espantar o monstrinho. E, por experiência própria, uma dica: se você tem um gato que não perde a hora da história, é melhor tirá-lo de perto. O susto é garantido. A brincadeira termina com o autor dizendo que é melhor que o monstro continue morando no livro, e não no quarto do leitor.
O segundo, também para crianças pequenas, é o quase clássico do holandês Max Velthuijs. O Sapo Está Com Medo (Martins; em sebos). Sem conseguir dormir com medo dos barulhos que ouve, o sapo atravessa a floresta escura para pedir ajuda à pata, que diz que fantasmas não existem. Deitam juntos, e ouvem um novo barulho. A história vai seguindo assim até a manhã seguinte e um diálogo sutil sobre o tema.
Alexandre Rampazo dedica Se eu Abrir Esta Porta Agora... (Sesi, 2018) à sua mãe, “por deixar a luz sempre acesa”. Trata-se de um livro com duas possibilidades de leitura e que vai se desdobrando a partir desta inquietação do garoto, que dá título à obra. O que tem do lado de lá – da porta do armário, da porta de casa? Um monstro que vai puxar seu pé, ficar com seus brinquedos, roubar seus pais? Um novo amigo?
Por fim, o clássico dos clássicos: Onde Vivem os Monstros (1963), de Maurice Sendak, que acaba de voltar às livrarias pela Companhia das Letrinhas. Aqui, não são os monstros que dão medo, mas as emoções. Max é mandado para quarto depois de responder “olha que eu te como” para a mãe que o chamou de monstro – ele estava brincando mais energicamente com sua fantasia de lobo.
No seu quarto, nasce uma floresta e ele parte em busca do lugar onde vivem os monstros, onde ele pode ser rei, extravasar suas emoções e brincar como quiser. Max é só um menino buscando seu lugar e lidando com seus sentimentos – com a expressão da raiva, da pressão, da solidão e do medo. Leitura recomendada – e nada assustadora – para crianças de todas as idades. Para as maiores, vale também o filme (disponível para aluguel no streaming).
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