Mário de Andrade ganha relançamentos e adaptação em quadrinhos

'Macunaíma', 'Amar, Verbo Intransitivo', 'Contos Novos' e 'Pauliceia Desvairada' têm novas edições nas livrarias

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Grande Otelo em 'Macunaíma', adaptação de Joaquim Pedro de Andrade para livro de Mário de Andrade Foto: Condor Filmes

A amizade entre os Andrades modernistas — Mário e Oswald — completa cem anos em 2017, mas não pode ser chamada de centenária. Embora tenha ajudado a moldar boa parte do modernismo brasileiro, a relação entre os escritores durou apenas 12 anos até o rompimento traumático, em 1929. Se Oswald é pivô do romance histórico Neve na Manhã de São Paulo, sua contraparte ganhou importantes relançamentos. 

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Duas obras de Mário de Andrade (1893-1945) foram transpostas para a linguagem dos quadrinhos pela editora Ática: Macunaíma, por Rodrigo Rosa; e Amar, Verbo Intransitivo, com roteiro de Ivan Jaf e arte de Guazzelli. A adaptação é fiel, os balões de fala são retirados dos próprios livros, e, apesar de serem obras destinadas ao público jovem, os artistas não fizeram concessões, mesmo nas passagens mais complicadas. 

Esses mesmos títulos, acrescidos de outros dois, compõem o box Obras de Mário de Andrade, da editora Novo Século, com direito a uma ilustração clássica do escritor por Odiléa Setti Toscano (1934-2015), artista que desenhou para o suplemento literário do Estado. No box, encontra-se o livro de poemas Pauliceia Desvairada (1922), uma verdadeira declaração de amor à cidade que demonstra a musicalidade e inventividade de Mário (“São Paulo! comoção de minha vida. / Os meus amores são flores feitas de original!. / Arlequinal!. Trajes de losangos.. Cinza e ouro.. / Luz e bruma. Forno e inverno morno.. / Elegâncias sutis sem escândalos. sem ciúmes ...”). 

Duas das obras relançadas chocaram a sociedade conservadora da época: o delicado romance Amar, Verbo Intransitivo (1927) em que uma governanta alemã é paga para seduzir e ensinar os mistérios do amor ao filho de um aristocrata; e a história curta Frederico Paciência, que narra a amizade e suposta relação homoafetiva entre dois rapazes, inclusa na coletânea póstuma Contos Novos (1947). 

O destaque, porém, fica por conta do livro mais ousado do autor. Publicado em 1928, ano em que Oswald lançou seu Manifesto Antropófago, Macunaíma é uma rapsódia que reúne os mitos e lendas indígenas garimpados por Mário de Andrade no interior do Brasil, unindo a linguagem oral e popular à sua verve musical. Vale lembrar que o escritor era professor de música e quase foi um prodígio — não fosse pelos tremores em sua mão após a morte de seu irmão mais novo, ele teria provavelmente sido um grande pianista. 

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Para Mário, a cultura brasileira não é uma mera justaposição de tradições indígenas, europeias, africanas e orientais, mas sim uma bricolagem desses elementos, no sentido que o antropólogo francês Pierre Lévi-Strauss usa a expressão em O Pensamento Selvagem (1962). Do mesmo modo, sua literatura se aproveita dessas referências de forma aparentemente parasitária em uma leitura superficial, porém muito inventiva em seu núcleo, graças à sua erudição. Durante o período renascentista, François Rabelais se utilizou da tradição oral medieval para compor sua literatura extremamente moderna, com humor e inovação linguística. Também Macunaíma, ao perseguir o caráter nacionalista valorizado pelos modernistas, forjou uma linguagem que foge à norma culta, associada à origem lusitana do idioma. 

A leitura que as gerações mais jovens podem fazer de Macunaíma com esses relançamentos em prosa e quadrinhos é a do embate entre os mundos rural e urbano, arcaico e moderno, que fica evidente no trecho em que o herói sem caráter chega a São Paulo pela primeira vez: “A inteligência do herói estava muito perturbada. (...) As onças pardas não eram onças pardas, se chamavam fordes hupmobiles chevrolés dodges mármons e eram máquinas. Os tamanduás os boitatás as inajás de curuatás de fumo, em vez eram caminhões bondes autobondes anúncios-luminosos relógios faróis rádios motocicletas telefones gorjetas postes chaminés… Eram máquinas e tudo na cidade era só máquina! (...) Com a máquina ninguém não brinca porque ela mata. A máquina não era deus não.”

Todo esse respeito pela máquina pode explicar a reverência que Mário de Andrade concedia à sua, de escrever, que ele chamava de Manuela, em homenagem a Manuel Bandeira. Já a possível influência de seu interlocutor François Rabelais justificaria a liberdade estética de Mário, uma vez que o escritor francês tinha o seguinte lema: “Fais ce que voudras” (“Faz o que quiseres”).

*André Cáceres é jornalista, escritor e autor do livro 'Cela 108' (2015, ed. Multifoco)

Capa do box 'Obras de Mário de Andrade', da editora Novo Século Foto: Editora Novo Século

Box - Obras de Mário de Andrade Autor: Mário de AndradeEditora: Novo SéculoInclui: 'Macunaíma', 'Amar, Verbo Intransitivo', 'Contos Novos' e 'Pauliceia Desvairada'  R$ 44,90

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Capa da adaptação em quadrinhos de 'Macunaíma' Foto: Rodrigo Rosa/Editora Ática

Macunaíma Autor: Mário de AndradeAdaptação para os quadrinhos: Rodrigo RosaEditora: Ática 88 páginas R$ 45,50

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