‘Matéria Escura’ traça jornada por múltiplos universos 

Calcado na física quântica, Blake Crouch discute identidade e decisões tomadas na vida

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Uma grande parcela dos autores clássicos da ficção científica, como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Philip K. Dick, demonstra uma preocupação muito mais coletiva que individual, seja pela mensagem transmitida ou em virtude do espírito da época (muitos produziram grande parte de suas obras em pleno período da guerra fria, por exemplo). Esse é um dos motivos pelos quais o drama puramente individual vivido em Matéria Escura parece se sobressair em um gênero que se importa em descrever sociedades complexas em detrimento de personagens profundos. 

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Escrito por Blake Crouch, autor ainda pouco conhecido pelo público brasileiro, mas que já conta com nove romances, inclusive a bem-sucedida trilogia Wayward Pines, Matéria Escura é um dos melhores exemplos contemporâneos de extrapolação de um conceito científico real com finalidade narrativa. O livro não se passa em um mundo extraordinário, futurista ou distópico: o cenário é o nosso planeta, nossa sociedade e nossa época, o que, por si só, já é incomum para uma obra de ficção científica.

Jason Dessen é um professor universitário que poderia ter sido um grande cientista caso não tivesse deixado a carreira de lado para construir uma família com Daniela Vargas, que também poderia ter sido uma artista de renome. Embora leve uma vida confortável e feliz, o casal sempre imagina o que teria ocorrido se cada um tivesse tomado decisões diferentes durante a vida. Esse questionamento é parcialmente respondido quando Jason se vê em uma realidade paralela em que ele deixou Daniela para se tornar um gênio da física solitário e amargurado. 

Os conceitos que embasam a aventura de Dessen são explicados de uma maneira inteligível para o público que não tem familiaridade com física quântica, sem jargões ou complicação desnecessária. A descoberta de uma forma de viajar entre as realidades do multiverso geraria possibilidades aterradoras, muito bem exploradas no livro. 

Matéria Escura toma como base a teoria das cordas e se apropria magistralmente de conceitos científicos como o multiverso e a superposição quântica para criar não apenas cenas de ação frenética, mas também para formular perguntas incômodas sobre a real natureza da existência e o que nos faz ser quem somos. Em dado momento, Dessen pensa: “Se passo meus dias numa oficina mecânica, debaixo de carros enguiçados, ou fazendo obturações num consultório de dentista em vez de dar aulas de física para universitários, será que ainda serei o mesmo homem, no nível mais fundamental? E qual é esse nível? Sem todos os acessórios de personalidade e estilo de vida, quais são os componentes fundamentais que me fazem ser quem sou?”

Embora seja um thriller, com todos os elementos de ação que caracterizam romances desse estilo, Matéria Escura tem uma grande preocupação com a essência e o lado humano de seus personagens, sem entrar na questão de como a sociedade reagiria ao impacto da descoberta de Dessen. A linguagem majoritariamente em primeira pessoa, rasa e direta pode não ocultar significados mais profundos, facilitando um pouco as coisas para o leitor, mas os problemas que o livro levanta tocam qualquer pessoa que já tenha imaginado o que aconteceria em sua vida em um caso tivesse tomado decisões diferentes. Impossível não se identificar com o drama do caminho não trilhado, uma dúvida universal e comum a qualquer indivíduo.

Capa do livro 'Matéria Escura', de Blake Crouch Foto: Editora Intrínseca

Matéria Escura Autor: Blake CrouchTradução: Alexandre RaposoEditora: Intrínseca 352 páginas R$ 49,9

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