Este que vos escreve quer ser feliz. Eu cansei. Chega de pensar a moral da história o tempo todo. Não quero mais a obrigação de ser um ser social consciente. As pessoas problematizam tudo. Eu quero o simples.
Quero sentar no sofá, chutar a Havaiana uma pra cada lado e ver um conteúdo escapista, que me afaste da realidade. Chega de GloboNews. Preciso me divertir sem pensar na relevância da mensagem. Dia desses, abri a esteira ergométrica na frente da TV. Não parece, mas eu tenho esteira. Subi nela e fui procurar uma atração que me fizesse uma pessoa mais evoluída. Já estava andando sem sair do lugar, pelo menos vamos melhorar o intelecto. Tinha um documentário sobre Inteligência Artificial, uma série com pano de fundo na crise climática e um filme do Bergman com o protagonista jogando xadrez contra a Morte. Em todos eu teria que pensar, e hoje é algo que prefiro fazer só se for obrigado.
Fiquei entre o House e o How to Get Away With Murder. Escolhi House. Moléstias que eu nunca tinha ouvido falar e um protagonista canalha que salva o paciente no último minuto (quase sempre é lúpus). Pulei da esteira pro sofá sem remorso e fiquei fazendo bolha de cuspe.
Seinfeld é a mesma coisa, entretenimento idiota e valioso: quatro pessoas sem escrúpulos falando sobre o nada. Os Millennials detestam – outro motivo pra ver. Também vibro quando o Liam Neeson sai procurando a filha em Paris ou quando o Tom Cruise viaja do lado de fora do avião. Meus neurônios escorrem feito geleca morna pelas orelhas.
Mundo Visto de Cima é a melhor atração de todas. Gosto mais ainda quando é na Escócia. Pegar no sono ouvindo sobre Highlands me faz sonhar com fadinhas, charretes e pipas ao vento. Quando estou com a cabeça muito cheia de problema parto pra ignorância total: Largados e Pelados. O nome diz tudo.
E restaurantes? O que estão fazendo a pessoa pensar? Outro dia fui num tailandês e o garçom, quando descobriu que era nossa primeira vez lá, se ajoelhou sorridente na altura da mesa e fez um animado tutorial: pega um pouquinho dessa planta rara, mergulha nesse molho com cardamomo e toma esse saquê exclusivo. Comer não tem segredo: abre a boca, mastiga, engole. Pronto. Me revoltei e enchi a cara de pimenta (depois me arrependi). Deveria ter ido no Frevo e pedido beirute – mais fácil e sem Wikipedia incluída.
Você então vai no bar e quer Gin Tônica. Uma bebida forte, misturada com refri e gelo. Não tem erro; até bar de centro acadêmico acerta. Mas problematizaram. Colocaram zimbro, hibisco, chá verde e estão cobrando R$ 50. No Bar do Divino cobram R$ 17 – e na televisão da parede só passa Globo Esporte.
Pizza de mussarela. Godzilla Minus One. Trair e Coçar é Só Começar. Nhoque ao sugo. Tiririca cantando Florentina. Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho. Agatha Christie, Sidney Sheldon e Paulo Coelho. Vou pôr o cérebro no freezer - e tirar de lá só quando for rolar Bienal ou alguma entrevista pra dar. Aí eu me preparo antes. Compro a Piauí, assisto Dogville outra vez, coloco na Natuza, peço o menu degustação do restaurante exótico. E pronto: sou intelectual de novo.
Mas, até lá, me acompanhem no sofá fazendo bolha de cuspe. É delícia: não ficamos irritados, não ficamos cansados da vida e nem pensamos em mudar do país.
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