Sabe a livraria? A sala é logo atrás. Numa escondida sala da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universide de São Paulo, à frente de duas estantes de metal, o geógrafo baiano Milton Santos, o mais respeitado nome da área no Brasil, se mostra tranqüilo e feliz. Sorri, oferece água-de-coco, fala devagar. Santos vê chegar à livrarias, até o meio do mês, O Brasil: Território e Sociedade no Início do Século XXI (Record 480 págs., R$ 45). O trabalho, também assinado por María Laura Silveira, pesquisadora do CNPq no Departamento de Geografia da USP, procura analisar as mudanças sociais e políticas no País - "É incrível quanto o Brasil mudou nos últimos dez anos", afirma - a partir da história da ocupação do território. O livro traz também 150 páginas de estudos de caso, que analisam da rede rodoviária aos nexos entre a atividade publicitária e o território, de autoria de alunos e de doutores formados em cursos de pós-graduação. Combina, portanto, interpretação ampla do País com estudos específicos que ajudam a testá-la e ilustrá-la. Segundo Santos, trata-se de um balanço, mas, como deveria ser com todo trabalho acadêmico, também pode ser lido como uma prospecção, sobre os caminhos que estão sendo abertos pelo uso do território. Poder - O geógrafo defende que São Paulo, apesar do esvaziamento industrial (pelo menos em termos proporcionais), em parte promovido pela guerra fiscal, é cada vez mais influente na política e na economia nacional, por concentrar a informação e o capital financeiro. "Desde que cheguei a São Paulo, nos anos 80 digo que a indústria não era mais sinônimo de poder, mas tive pouca aceitação; São Paulo se queixa de perder algumas indústrias, mas está cada vez mais poderosa", diz, embora esse fenômeno não lhe agrade de todo. Algo bastante importante que está ocorrendo no País, acredita, é a conclusão de um processo de urbanização. E, para Santos, como apenas o Nordeste (um dos quatro Brasis que identifica - os outros são a Região Concentrada, formada pelos Estados do Sul e do Sudeste, o Centro-Oeste e a Amazônia) ainda mantém uma população rural representativa, sua urbanização vai, necessariamente mudar a vida política da região, "atualmente muito atrasada": "A urbanização do Nordeste será revolucionária." Santos diz que "lugar de pobre é na cidade" - pois, na cidade, o acesso a educação, saúde e, principalmente, informação é facilitado. Mesmo que a metrópole, seja com Pitta, seja com Marta, continue ingovernável. "Na cidade é que eles podem fazer política." Mas a urbanização, para ele, tem outro aspecto positivo: o futuro é socialista, argumenta, porque a cidade é socialista. Campo e cidade - A tendência, defende Santos, é a redução das diferenças entre os homens do campo e os da cidade. Na realidade, muitos deles seriam as mesmas pessoas. "No interior de São Paulo, a produção agrícola é resultado do trabalho dos que moram nas cidades; é uma população agrícola e urbana." Ainda destruindo velhas certezas, Santos acredita já ser evidente que não são as "classes médias" as que formam opinião. Os pobres, com o contato que as cidades oferecem, são os verdadeiros formadores da própria opinião. O geógrafo sustenta que a ocupação e a movimentação no território (em dado momento, defende uma geografia do movimento) é fundamental para entender a sua política. "Espero que os cientistas polícos passem a integrar a geografia em suas análises." Entre outros motivos, porque a globalização teria tornado o território nacional mais poroso, mas igualmente necessário. "O Banco Central funciona como uma espécie de cônsul do capital internacional, mas suas regras, para serem cumpridas, precisam de uma definição espacial, que é o território."
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