O Ministério da Cultura, por intermédio da Biblioteca Nacional, aprovou apoio à tradução do livro Leite Derramado, de Chico Buarque, para publicação na França pela Editora Gallimard. O valor do subsídio é de US$ 4 mil (cerca de R$ 7 mil). O autor é irmão da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, o que suscitou protestos de algumas editoras cujos projetos foram preteridos.
A ministra da Cultura não escolheu o livro de Chico. Foi o Conselho Interdisciplinar de Pesquisa e Editoração (Cipe) da Fundação Biblioteca Nacional, que tinha também a prerrogativa de solicitar apoio de consultores externos para a sua decisão. Os critérios estabelecidos para a seleção de um livro eram os seguintes: relevância do autor e da obra a ser traduzida; consistência da proposta e qualidade do catálogo editorial da editora; currículo do tradutor e importância da publicação da obra para a promoção e divulgação da literatura brasileira no exterior. Para definir o valor, a complexidade do texto era o principal critério.
Consultada, a Assessoria de Comunicação do Ministério da Cultura informou nesta quinta-feira, 17, que a ministra determinou a suspendensão da bolsa. Segundo o ministério, o caso será enviado para a Comissão de Ética da Presidência, para que seja avaliado se há conflito de interesse na aprovação do livro para receber o benefício.
Divulgação. Foram selecionados 28 livros para receber a bolsa, constante do Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, que estará em ação até 2020. Todo o programa prevê a utilização de recursos no valor de R$ 2,7 milhões, provenientes do Fundo Nacional de Cultura.
O programa foi criado pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN), instituição vinculada ao Ministério da Cultura, para difundir a cultura e a literatura brasileiras no exterior, com a concessão de Bolsas de Tradução e Publicação, com a finalidade de apoiar a publicação, em língua estrangeira, de obras de autores brasileiros no exterior.
O programa incluía os seguintes gêneros: romance, conto, poesia, crônica, infantil e/ou juvenil, teatro, obra de referência, ensaio literário, ensaio de ciências sociais, ensaio histórico e antologias de poemas e contos. Um dos vencedores foi o livro Se Eu Fechar Meus Olhos Agora, de Edney Silvestre, que será publicado na Holanda. Outro que será publicado na França, pela Anacaona Éditions, é Elite da Tropa 2, de Luiz Eduardo Soares, Claudio Ferraz, André Batista e Rodrigo Pimentel.
Foram aceitas inscrições para tradução e publicação em qualquer idioma, e as bolsas poderiam ser atribuídas às editoras que inscrevessem projetos que contemplassem obras nunca traduzidas para o idioma indicado ou que se destinassem ao custeio de nova tradução. Outros títulos selecionados foram: O Movimento Pendular, de Alberto Mussa, e Sinfonia em Branco, de Adriana Lisboa (para a Romênia), A Guerra no Bom Fim, de Moacyr Scliar (para a Alemanha), Mastigando Humanos, de Santiago Nazarian, e O Cemitério dos Vivos, de Lima Barreto (para a Espanha), e duas obras de Luis Fernando Verissimo, O Opositor e Os Espiões, também para a Romênia.
Agenda. À beira de uma reforma ministerial, a ministra da Cultura tem mantido uma agenda focada principalmente em despachos internos e longe de eventuais conflitos com artistas desgostosos com os rumos de sua gestão - fora vaiada em Brasília durante o festival de cinema. No dia 9, entregou a personalidades de destaque no Teatro Santa Isabel, no Recife, a Ordem do Mérito Cultural, o que incluiu curiosamente uma medalha para si mesma - a distinção é fruto de um decreto de 2009, que reza que todo ministro da Cultura deva ser condecorado no seu primeiro ano de gestão, conforme esclareceu o MinC.
O ProCultura, que embute a reforma da Lei Rouanet, está praticamente parado no Congresso, assim como o projeto do Vale Cultura. Isso, somado a uma execução pífia do orçamento, tem levado muita gente importante a se manifestar a respeito das políticas do MinC sob o governo Dilma, caso do diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa. Este postou uma carta aberta em seu blog na semana passada.
"Depois do horizonte aberto por ministros como Gil e Juca no governo Lula, sacrifica-se uma artista como Ana Buarque de Hollanda como bode da situação", diz Zé Celso. "Dilma não pode fazer isso com os artistas, inclusive com sua ministra, não lhe dando condições de ação criadora. Precisa se encontrar com artistas brasileiros direta e imediatamente, corpo a corpo, para receber esta energia pré-sal da cultura que neste momento os artistas trazem no corpo e em suas obras."
Outro que afirmou sua dissidência foi o ator José de Abreu. Ele postou no Twitter, recentemente: "O MinC é tão insignificante que nem escândalos colam. R$ 200 milhões não foram aplicados este ano, e a ministra vai pra Buenos Aires no feriado", alfinetou. Militantes da área do Circo soltaram um manifesto contra a Funarte sob a gestão da ministra - tinha prometido pagar edital Pró-cultura/Lonas de Circo/2010 em agosto e os artistas dizem que nada saiu.
Depois de passar o feriado da Proclamação da República em Buenos Aires, em reunião com a Secretaria Nacional de Cultura da Argentina, Ana deve embarcar na segunda-feira para a Europa. De terça a sábado, acompanhada de Sergio Mamberti (secretário de Políticas Culturais), ela estará em Bruxelas acompanhando o Festival Europalia/Brasil.
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