Em outubro de 2020, a Semana de Moda de São Paulo virou notícia após instituir cotas raciais para marcas que integravam seu cronograma. Pela primeira vez na história de mais de 25 anos do evento, o casting de todos os desfiles ou apresentações digitais deveria ser composto por pelo menos 50% de pessoas negras, afrodescendentes ou indígenas.
O timing dessa decisão veio alinhado com o momento no qual a luta antirracista se mostrou mais urgente do que nunca, após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos e o crescimento do movimento Black Lives Matter. Além deste contexto social, a decisão também se conectou profundamente com os movimentos da moda contemporânea mundial em direção à inclusão e diversidade.
Pouco menos de dois anos desse anúncio, o que vimos nas apresentações da última edição da SPFW, que aconteceu nesta semana, é um novo olhar para a beleza brasileira por parte do mercado. Há décadas nossas modelos figuram entre as mais importantes do mundo. Pense em nomes como Gisele Bündchen, Adriana Lima e Alessandra Ambrósio, belas e brasileiríssimas, segundo um estereótipo internacional baseado em contornos europeus. Esses eram os padrões que pautavam a escolha do que seria a nossa imagem nacional.
Em 2022, no entanto, a beleza brasileira que ganhou o mundo se abre para um novo momento alinhado com a realidade latino-americana, que agora integra nossa imagem na moda e ganha novos ícones.
IDENTIDADE. Dandara Queiroz, da agência Way Model, de 24 anos, é um exemplo desse novo momento de descoberta da nossa identidade. A jovem é uma das representantes da beleza dos povos originários do Brasil, que vem ganhando destaque mundo afora.
Descendente do povo tupi, Dandara chama atenção por seus longos cabelos pretos e olhos amendoados. “A moda representa o meu poder de representatividade, a oportunidade de conquistar minha independência, uma melhor qualidade de vida para a minha família. É a realização dos meus sonhos e a responsabilidade de mostrar que chegou o nosso momento”, reflete.
Oportunidade, acesso e transformação pela moda também são palavras que fazem parte da história de Ôda, de 22 anos, da agência Joy. Natural do Arquipélago de Cairu, na Bahia – que atualmente tem uma população estimada em pouco mais de 18 mil pessoas –, Ôda se identifica como travesti. É afrodescendente e antes de entrar na moda trabalhava como garçonete e morou em uma casa de acolhimento para pessoas LGBT em Salvador.
Agora, a baiana toma as passarelas com atitude e força, marcando presença em espaços que antes lhe eram negados. “Hoje, vejo que estou ocupando um lugar no qual posso levar minha personalidade, mostrar os fundamentos da minha travestilidade e o corpo que sou para milhões de olhos que estão atentos às mudanças de imagem da mulher”, diz.
A transformação do mercado acontece a partir da exigência, principalmente de pessoas dissidentes que se movimentaram e se posicionaram gerando uma demanda, a da presença de corpos reais e plurais. Isso é importante para uma indústria que constrói constantemente cultura e realidades”, comenta Ôda. “Não posso afirmar que essas belezas são novas, pois sempre estiveram aqui”, completa.
Marcas e publicações internacionais também se mostram alinhadas com esse movimento e abraçam o novo olhar para a beleza brasileira.Um exemplo é a edição de maio da Vogue britânica – publicação conhecida por estar sempre na vanguarda da moda – que trouxe a brasileira Raynara Negrine, natural do interior do Espírito Santo, como destaque de um dos seus editoriais. Nas fotos, seus traços que falam alto sobre suas origens brasileiras entram em foco e fazem bonito.
Foi assim também com Ariela Soares, de 27 anos, da ARO Model, que já cruzou passarelas de grifes como Marc Jacobs, Jean Paul Gaultier e Armani e, nessa semana, riscou as passarelas da SPFW. Baiana de olhar marcante, Ariela vem fazendo sucesso nas grandes capitais da moda e a mensagem que ela, Ôda, Dandara e tantos outros nomes que despontam na moda nacional deixam é clara: nosso Brasil é uma fonte inesgotável de beleza.
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