A hora da partida estava próxima e os dois sabiam que isso precisava e iria acontecer. Um misto de sensações e emoções crescia de forma descontrolada prevendo o final, temido e esperado. Foi uma relação intensa e única marcada por bondade, empatia e compaixão ao mesmo tempo em que arroubos de raiva, desespero e frustração também foram comuns.
Cada dia foi um mergulho profundo. Dias de águas transparentes, límpidas, tranquilas. Dias de águas sujas que trouxerem um lixo “desconhecido”, que precisava ser separado e tratado a exaustão, sem espaço para fugas. Nada do que já tinha vivido parecia tê-la preparado para a experiência. A forma e o conteúdo de antes não se encaixavam no que a vida agora exigia.
Mudanças tiveram que ser feitas às pressas, sem planos ou certezas, novos caminhos foram traçados e um novo pensar teve tempo e impulso suficiente para começar a nascer em meio a tanto desconforto. Em plena tormenta aconteceram dias e noites de gratidão pela vida, pelas relações, pelo ar enchendo os pulmões. Gratidão por algo que sempre pareceu certo e que agora se entendia como bênção. A separação, mesmo que esperada e desejada, gerava um vazio. Como seria a vida sem tamanha emoção e pressão?
Tinha lido sobre ex-combatentes, com traumas pelas guerras vividas e seus transtornos. Tinha medo, mas havia também esperança. Ter vivido algo naturalmente tão impactante a transformou. Se entendia outra e gostava do seu novo reflexo. Estava certamente marcada, mas essa marca poderia ser o agente que a projetaria para uma vida com um propósito definido, uma existência de mais qualidade.
Quando estava dentro da desordem, a visão era turva; mas agora, com o pé quase fora, se sentia saindo de uma nuvem. O céu parecia então claro e iluminado. Ela, mais firme e em contato consciente com suas emoções, sentimentos. Uma mente afiada pronta para a nova etapa. Adeus 2020.
ALICE FERRAZ É ESPECIALISTA EM MARKETING DE INFLUÊNCIA E ESCRITORA, AUTORA DE ‘MODA À BRASILEIRA’
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