Uma das frases prediletas da minha mãe era “diga-me com quem andas e te direi quem és”, um aviso diário em uma família tradicional de São Paulo para ajudar a guiar os passos e evitar possíveis fraquezas de uma jovem descobrindo o mundo. Hoje, o mantra seria “diga-me quem segues, quem curtes ou quem simplesmente passas mais de um segundo olhando nas mídias sociais e o algoritmo te dirás quem és”. Ando em guerra com meu algoritmo e sei que minha mãe estaria horrorizada ao ver as recomendações de assuntos que a IA acha que eu gostaria de assistir. A verdade é que tinha até começado a acreditar que “ela”, a inteligência artificial que ouve tudo que falo e percebe minha atenção em segundos por onde deixo meu rastro digital, estava sabendo mais do que me atraía do que eu mesma. Andei me perguntando quem realmente era por trás da aparente coerência de uma mulher “séria”, profissional dedicada e casada. Ou a inteligência artificial estava me confundindo com outra pessoa ou minhas camadas encobertas estavam ficando desnecessariamente à mostra.
Durante algum tempo, fui perseguida por gatinhos fofos, os mais lindos bebês japoneses e piadas sem graça que me faziam rir com leveza. Tudo mudou em algumas semanas onde sem notar nenhuma aparente transformação no meu comportamento me vi às voltas com os mais variados assuntos que a princípio pareciam fora da minha zona de interesse. De “porque as donas de casa são mais felizes do que mulheres que trabalham fora”, aos problemas matrimoniais da Jennifer Lopez até chegar aos desejos sexuais de quem pratica poliamor foi um “pulo”, sendo guiada através de posts que eu não teria coragem de mostrar para minha melhor amiga. Essa semana dei um basta e já cheia de reclamar me lembrei de um texto que eu mesma escrevi sobre ser guiada pelo waze ao invés de usar o waze como fonte de informação, mas mantendo o controle na minha própria direção.
Sei, e depois dessa experiência mais ainda, que sem consciência e um olhar atento posso ser levada pelo mar revolto da internet. O que sei agora com mais certeza é quem escolhi ser, a quais interesses escolhi me dedicar e que não quero relegar a um algoritmo acelerado minhas decisões. Depois dessa experiência imersiva a outros mundos entendi que quanto mais opções de conteúdo disponíveis mais e mais camadas de decisões terei que tomar. Não quero evitar, como quando menina, as “más companhias” que na verdade nem são más, mas quero escolher o que gosto, o que ver e a partir dos meus interesses quem vou me tornar ao longo dos anos. O tempo que gasto me nutrindo ou não de assuntos que me moldam vão ser milimetricamente supervisionados e isso requer trabalho e tempo, eu sei. Mas me deixar levar ad eternum nesse looping de pseudo conteúdos toma um tempo ainda maior, com certeza.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.