Alice Ferraz: do tamanho de uma montanha

A potência dessas pessoas, a mesma que positivamente atrai e surpreende, também as prejudica

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Por Alice Ferraz
Atualização:

Muitos anos atrás, tive por acaso a oportunidade e a sorte de conhecer pessoalmente a genial arquiteta Zaha Hadid (1950-2016). Era uma noite fria de inverno em Londres e a figura imponente era homenageada em um evento de alta joalheria mundial. Zaha era foco de inúmeros jornalistas, fãs e curiosos e foi a primeira vez que tive a sensação de que alguém tinha o tamanho energético de uma montanha, como tentei traduzir na época, em uma só imagem.

Zaha tinha um vigor absurdo e transmitia imediatamente essa potência para quem estava em seu entorno. Impacto estabelecido, durante muitos anos conseguia reconhecer de imediato pessoas que tinham essa dimensão única e a consciência desse tamanho se fez inspiração pessoal para que eu mesma ocupasse meu próprio espaço. 

Ilustação para a coluna de Alice Ferraz Foto: Juliana Azevedo

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Tendo sido criada em uma casa com muitos irmãos, tive de, inúmeras vezes, restringir meu espaço e lutar com certo constrangimento para encontrá-lo. Perceber que eu poderia ocupar um tamanho de montanha me trouxe forças para, durante muitos anos, avançar com determinação. Até que, já na maturidade e tendo meu próprio território definido, comecei a sentir certo incômodo inexplicável com algumas personalidades “montanha” e comecei pessoalmente um lento e determinante movimento de restrição em situações em que a palavra de ordem seria avante! 

Esta semana, mediando conversas em novos formatos de eventos nos quais diversos experts em assuntos atuais são convidados para mesas-redondas, percebi que personalidades “montanha” têm enorme dificuldade de estabelecer conexões com o pensamento do outro e a constante ampliação de seu território impede a atuação de quem está margeando sua fronteira. 

A potência dessas pessoas, a mesma que positivamente atrai e surpreende, também as prejudica a adquirir novos conhecimentos na interação com o outro. Percebi que, em vez do lema “ocupar sempre”, a enorme montanha que completa e apropria-se do todo deveria ceder espaço externo para conseguir ganhar novos espaços internos de conhecimento. 

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Como sabemos desde a descoberta de Newton, “dois corpos distintos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço e ao mesmo tempo”. Sem abrir espaço para ser ocupado, menor o território para aprender. 

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