“É impossível ignorar a imagem dessa mulher que Gabrielle Chanel criou: tão elegante, sutil, refinada, descolada, moderna e livre”, pontuou Amanda Harlech, que trabalhou na Chanel por mais de duas décadas como consultora criativa e braço direito de Karl Lagerfeld (1933-2019), o icônico diretor criativo que, durante 36 anos, preservou e renovou o legado da visionária Gabrielle, responsável pela fundação da maison Chanel em 1910, em Paris.
O comentário de Harlech, feito momentos antes do desfile da marca, realizado no último dia 1.º como parte da Semana de Moda de Paris, veio em resposta a uma provocação da jornalista Suzy Menkes. “Como você se sente em relação à Chanel hoje? Ela ainda é tão eterna quanto um dia todos acreditaram?”, questionou ela.
A resposta de Harlech deixou clara sua posição: sim, o arquétipo da mulher Chanel transcendeu o tempo. Foi essa imagem, fiel às suas raízes e ao estilo inconfundível de Gabrielle, que a maison Chanel trouxe para sua mais nova coleção. Uma temporada pautada por leveza, frescor e liberdade, que celebra os códigos da casa, reafirmando seus clássicos sob uma ótica contemporânea e, ao mesmo tempo, absolutamente Chanel.
A silhueta do clássico tailleur de tweed apareceu mais despretensiosa, combinada a shorts curtos, sobreposta a camisas cropped, e também em modelagens alongadas e sem mangas, como coletes. Para reforçar a ideia de leveza, tecidos fluidos foram incorporados às peças, criando um “ballet de liberdade etérea”. Capas de chiffon e chemises transparentes e fluidas dançavam ao caminhar, acompanhadas por detalhes sutis, como estampas de penas multicoloridas e golas Peter Pan formadas por camadas de plumas.
Para “expressar uma noção de voo”, a grife trouxe à coleção propostas como a capa azul de organza, extralonga e esvoaçante, adornada com aplicações de pétalas, feitas no mesmo tecido, e plumas. Como contraponto à visão etérea da peça, o look foi arrematado por um marcante laço preto - mais um dos ícones de Chanel. E, em coro ao elemento gráfico contrastante, as calças jeans bordadas trouxeram ares urbanos, o que fortaleceu a noção de harmonia entre legado e contemporaneidade que pautou o desfile. Em outro look, a mesma peça diáfana surgiu em branco, sobreposta a um vestido no mesmo tom, criando um visual mais minimalista e sofisticado e evidenciando as diversas possibilidades que permeiam a coleção. Ambos são emblemáticos para o entendimento do jogo de desconstrução e reinvenção proposto para a temporada.
Movimento
A coleção como um todo cruza a passarela imbuída de movimento, equilibrando o legado de elegância à vibração do mundo atual e reforçando a narrativa de sofisticação e disrupção que faz parte do universo Chanel. O tweed - um dos ícones da maison - foi revisitado com um toque de frescor, em tons adocicados de rosa e azul, revelando uma paleta suave e leve. Tais predicados, por sinal, atravessam toda a coleção e cabem também às saias com fendas generosas e aos vestidos-uniforme de colarinho branco, que contrastam com os looks monocromáticos em jersey preto. Os sapatos, por sua vez, remetem ao clássico modelo bicolor da marca, mas ganharam novas proporções com plataformas de personalidade destacadas por brilhos metalizados. Tudo arrematado por uma série de detalhes bordados à mão, um lembrete da expertise dos ateliês Chanel em executar criações que equilibram tradição e modernidade.
Esta temporada marcou o retorno da Chanel ao Grand Palais - edifício histórico em Paris, construído para a Exposição Universal de 1900 com o intuito de celebrar a cultura e a modernidade industrial da época, e que, a partir de 2005, passou a abrigar os desfiles da maison, entre eles alguns de seus shows mais memoráveis.
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A ambientação contou com uma gigantesca gaiola, símbolo do desejo por liberdade que pautou a vida de Gabrielle Chanel e uma referência à sua frase icônica: “As pessoas sempre quiseram me colocar em jaulas: jaulas com almofadas estofadas de promessas, jaulas douradas, jaulas que toquei desviando o olhar. Nunca quis outra, a não ser a que eu mesma construiria”.
Foi lá que, em um balanço que se elevou aos ares dentro da gaiola, a cantora, modelo e embaixadora da marca Riley Keough - atriz, modelo e neta de Elvis Presley - encerrou o desfile cantando When Doves Cry, lançada em 1984 por Prince. Na voz de Keough, um dos clássicos da música ganhou um twist moderno e feminino, em perfeito alinhamento com a nova estação da Chanel.
A marca passa por um período de transição em sua direção criativa após a saída de Virginie Viard, em junho deste ano. O muito aguardado anúncio do nome que irá substituir a francesa ainda não veio. A grife, no entanto, mostra-se firme em suas convicções, com uma moda que mantém viva a imagem inconfundível de Gabrielle Chanel.
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