Documentário mostra a jornada por trás da criação de um perfume

‘Nose - O Trabalho Mais Secreto do Mundo’ retrata como o perfumista François Demachy conduz os bastidores do desenvolvimento e produção de fragrâncias para a Dior

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A princípio, Nose – O Trabalho Mais Secreto do Mundo tem a pretensão de mostrar pela primeira vez o processo de criação e produção das fragrâncias Dior sob o comando do perfumista François Demachy. Mas a cada cena fica mais difícil lembrar que essa é a sinopse do documentário que está sendo lançado mundialmente nesta segunda-feira, 22. 

François Demachy, criador do perfumes da Dior, se divide entre Paris e Grasse, a 'fonte perfumada' Foto: Visuals by Parfums Christian Dior

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Os 70 minutos de duração do filme que, no Brasil, pode ser visto em Net Now, Apple TV e Google, é uma viagem exploratória por um conceito nada comum de luxo: paisagens, tradições locais, pessoas com vínculos afetivos com seus trabalhos, matérias-primas raras, cultivo orgânico e artesanal que respeita o tempo da natureza. Tudo isso sendo harmonizado pelo circunspecto François. 

Arthur de Kersauson e Clément Beauvais, além de serem diretores do documentário, tiveram o importante papel de engajar o dono do trabalho mais secreto do mundo em um projeto para tornar sua atuação menos desconhecida. “A equipe de produção Mercenary fez alguns vídeos conosco ao longo dos anos, eles começaram fazendo alguns conteúdos para a web série A Procura de Essências, e eles estavam muito interessados nos perfumes e nas matérias-primas. Eles queriam ir mais longe, e isso também era algo em que a Dior pensava há muito tempo: abrir as portas da perfumaria, como ofício”, contou Demachy em entrevista ao Estadão

Assim, os cineastas receberam a autorização para começar a jornada de dois anos de gravação registrando o trabalho do perfumista chefe da Dior. “De alguma forma, eu queria mostrar isso. Como uma casa de luxo, se não nos esforçamos para manter as savoir-faires vivas, quem o fará? É como para os métiers da costura, se você não mostrar a savoir-faire eles acabam desaparecendo, é nossa responsabilidade não deixar isso acontecer. Portanto, não é meu, é tudo nosso, e é hora de as pessoas reconhecerem isso também”, afirmou citando a expressão em francês savoir-faire que se refere a ofícios que poucos conseguem dominar.

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Apesar desse desejo de revelar o processo de criação e do acesso garantido aos bastidores da produção da Dior, os diretores confessaram que o mais complexo foi desvendar atuação do perfumista chefe. “O nosso maior desafio foi definitivamente mostrar o François e fazê-lo falar de si, quando ele é tão humilde e tão modesto por natureza. Ele não fala sobre si mesmo, ele só fala sobre os outros. Portanto, para superar esse desafio, tivemos que mostrar François através dos olhos de outras pessoas. Seus parceiros, seus encontros, pessoas da indústria que o respeitam, sua esposa... pessoas que ele tocou e que podem falar dele”, explicou Arthur de Kersauson.

Os cineastas e o perfumista deram entrevistas separados para o Estadão. Mas coincidentemente (ou não) ao falar sobre como se sentiu ao ter seu trabalho acompanhando tão de perto, parece que François se justifica. “Não estou acostumado a ter pessoas ao meu redor o tempo todo, a ser o centro das atenções... Trabalho muito sozinho no laboratório e sei que sou mais uma pessoa reservada, um pouco tímida talvez. Mas fui me acostumando aos poucos. Eles eram respeitosos e discretos, o que tornava tudo muito fácil. Além disso, eles trabalharam conosco em vários projetos no passado, e foi assim que eles fizeram este documentário, então eu me senti confortável o suficiente com eles”, disse Demachy. Desde 2006, ele divide seu tempo entre o laboratório da Dior, em Paris, e Grasse, sua cidade natal que também é chamada de “fonte perfumada” por ter a tradição de cultivar flores para a produção de perfumes Dior. Em Grasse, Christian Dior cultivou campos inteiros de rosas e jasmim no castelo de La Colle Noire, na comuna Montauroux; sua irmã Catherine fez o mesmo no castelo Naysses, em Callian.

As gravações do documentário (que ficou com 70 minutos de duração) ocorreram durante dois anos e aconteceram em mais de 14 países Foto: Visuals by Parfums Christian Dior

Além de A Procura de Essências, Arthur de Kersauson e Clément Beauvais trabalham com a Dior na série de documental Tales of the Wild, de 2016, sobre a vida de quatro homens que deixam a vida urbana para ter contato com a natureza. Esses anos de parceria dos diretores com a grife resultaram na estratégia coerente de retratar François pelos olhos de seus parceiros de trabalho. “É sobre encontros humanos. Eu simplesmente amo o processo de ir a lugares incríveis e conhecer pessoas que garantem a melhor qualidade de matéria-prima com a qual tenho a sorte de trabalhar. É um acordo com nossos parceiros de confiança, a Dior os apoia durante todo o ano e ano após ano, e eles dão o melhor que podem para garantir que a qualidade seja excepcional. É uma história humana ... e ir lá para ver e cheirar com seus próprios sentidos, faz toda a diferença no mundo. Então eu acho que mais do que o material, o humano é o verdadeiro luxo”, afirmou o perfumista sobre o que considera primordial no documentário. Para registrar essa trajetória, a equipe de gravação e François passaram por mais de 14 países.

Os ingredientes orgânicos também motivaram as viagens em pequenos aviões, em veículos com tração nas quatro rodas e trilhas. As rosas de maio levaram a produção para Grasse, na França; a bergamota, para Calábria, na Itália; o patchuli, para a Sulawesia, na Indonésia; o sândalo, para o Sri Lanka; o ylang ylang, para Nosy Be, em Madagascar; o jasmim sambac, para a Índia. Nose ainda passa por Cannes e Saint-Émilion, na França; Tóquio, no Japão; Xangai, na China; Ilha de Sulawesi, na Indonésia; e litoral da Irlanda. “A ideia era mostrar às pessoas que o perfume não é feito por uma única pessoa em um jaleco com sua fórmula, é toda uma cadeia humana e uma jornada humana. Espero que isso dê algum valor ao que as pessoas cheiram em seus frascos, é tudo isso que você realmente compra quando compra um perfume”, disse Demachy.

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Falando em fragrância, o documentário tem a ambiciosa pretensão de despertar o olfato. Em busca de fazer um filme perfumado, as cores e as texturas das locações foram bastante exploradas. “Mostrar um perfume é tão difícil, é tão abstrato que é como falar com as pessoas sobre alguma coisa, mas se elas não conseguem sentir o cheiro, como você as faz sentir? Mas optamos por filmar de uma certa forma para que o público sentisse o lado sensorial das imagens”, contou Clément Beauvais.

A beleza natural dos locais onde os ingredientes são cultivados ou encontrados foi um trunfo, entretanto isso não é sinônimo de simplicidade. “Foi bastante difícil porque, se você perder a estação de floração de um ingrediente, muitas vezes é necessário esperar a próxima colheita, um ano depois. Na verdade, estávamos seguindo as regras da natureza para nosso cronograma de filmagem. Não podíamos decidir, tínhamos que ouvir o que as matérias-primas nos diziam e era muito desafiador, mas também muito interessante. Não há sem programação, você não pode comandar a natureza, você está lá apenas para testemunhá-la. Foi uma bela lição”, afirmou Kersauson.

A melodia foi outro artifício usado para tornar a criação de aromas mais didática e perceptível para os recursos audiovisuais. “Existem muitos paralelos entre música e cheiro a serem feitos, não é coincidência que usamos os mesmos termos às vezes para descrevê-los: notas, acordes, sinfonia. Ambos são maneiras muito poderosas de transmitir emoções, então usamos isso”, explicou Beauvais.

Pode ser que agora o trabalho de François Demachy na Dior deixe de ser o mais secreto do mundo, mas Nose certamente consolida o lugar desse cargo no ranking dos trabalhos mais desejados do mundo.  O criador de fragrâncias da maison francesa acredita que agora mais pessoas vão desejar se tornar perfumistas? “Espero que sim! Não com toda a seriedade, eu realmente não posso dizer, fizemos o nosso melhor para mostrar um lado diferente da fabricação de perfumes, os bastidores e toda a paixão que está em torno disso e todas as pessoas que os fazem. Se isso dá às pessoas ideias para trabalharem nessa área, isso é ótimo. Mas não podemos ter certeza. Só espero que as pessoas entendam quantas savoir-faire entram em jogo nesta indústria, quantas mãos, quantas pessoas apaixonadas, e que mantém as tradições desse artesanato vivas, isso é o mais importante para mim. Devo dizer que estou feliz com o resultado”, conclui Demachy.

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