Aconteceu na semana passada, entre os dias 9 e 14 de abril, a edição de número 57 do evento que, ao longo dos anos, se consagrou como um dos maiores palcos e mais relevantes vitrines da moda nacional: a São Paulo Fashion Week.
Nesta temporada, a semana de moda paulistana do sócio-criador e fundador Paulo Borges se desenvolveu em torno do conceito central de celebrar “a sintonia com um processo criativo contínuo de transformação”, como foi divulgado em sua comunicação.
Com isso, reforçou um importante movimento que vem sendo observado durante os últimos anos. Além de celebrar as grandes e renomadas grifes brasileiras já conhecidas do mercado, a SPFW tem se mostrado também um espaço de descobertas e de novas histórias, com importantes representantes da atual safra de estilistas nacionais, com um olhar que vai além do eixo Rio-São Paulo.
Representando essas diferentes vertentes, três desfiles, em especial, ganharam destaque no line-up, com coleções que celebraram e exaltaram sua essência de moda, apresentadas de maneiras extremamente autorais e particulares.
Abrindo a programação da semana, na noite de terça-feira, 9, com desfile no grande salão de madeira do shopping paulistano JK Iguatemi – um dos locais onde ocorreram as apresentações desta edição da SPFW –, a ALUF, da jovem Ana Luísa Fernandes, de 28 anos, trouxe um ótimo exemplo da essência criativa da nova geração, que chega com um olhar abrangente em significados e muito emocional para a moda, criando narrativas intensas e envolventes.
Tendo como referência o livro Arte como Terapia, de Alain de Botton e John Armstrong, que defende que a arte tem sete razões de existir, a criadora desenvolveu, durante seus seis anos de marca, coleções baseadas em cada um dos motivos citados – e chegou, nesta temporada, ao último: a Arte pela Arte. “Pelo seu deslumbramento e arrebatamento lúdico sem prévia razão”, como descreve em suas redes sociais.
Exclusivo
Com isso, apresentou uma coleção pautada pela beleza sublime, que se materializou em roupas que trouxeram elementos escultóricos tridimensionais, como as flores de jacquard gofrado, um tecido exclusivo da marca, que deram novos volumes a looks todos brancos, além de peças fluidas de seda e viscose, tricôs com pontos ultradelicados e shapes românticos, pautados por calças de pernas amplas, além de saias e mangas volumosas, que se fundiam ao todo formando o que a ALUF definiu como um “jardim barroco” para a coleção que levou o nome de Prosopopeia. Tudo desfilado ao som da Orquestra Sinfônica Heliópolis, que tocou ao vivo acompanhando a voz da soprano Maria Gerk, em uma ambientação puramente artística, que transportou a apresentação para um ambiente particular de sonhos de arte.
A música também foi fator-chave no desfile de Marina Bitu, marca cearense comandada por Marina Bitu e Cecília Baima, que nesta temporada mergulhou ainda mais fundo em suas raízes para criar a coleção Cariri: O Início e o Fim. O som regional – que surgiu tradicional e puramente fiel a sua essência e, em outros momentos, tomou a sala em versões remixadas e contemporâneas, com batidas eletrônicas – chegou como a metáfora perfeita da união entre tradição e modernidade que vimos cruzar a passarela.
A coleção, que nasceu de uma incursão das criadoras pelo Cariri cearense, surgiu dividida em quatro partes – Região, Povo/História, Cultura e Espiritualidade –, cada uma delas explorando a rica herança dessa região do Brasil de forma a materializá-la em moda.
A natureza, por exemplo, surge em texturas como a do interessante macropaetê de bioplástico desenvolvido pelos alunos do Senac Ceará, que colaboraram com a coleção. Já uma infinidade de materiais e tramas, como as das peças de crochê feitas à mão – com acabamento de miçangas pensadas para remeter ao orvalho nas plantas da Chapada do Araripe –, torna presentes e potentes as qualidades técnicas da artesania cultural da região, elevadas e traduzidas em roupas sofisticadas e extremamente desejáveis.
Essência
Fechando a tríade de representantes das diferentes abordagens e cenários que compõem a moda nacional, chega Gloria Coelho, um nome de peso no mercado, que completa cinco décadas de marca e o faz em grande estilo com a coleção Léxicos.
Em seus 50 anos de carreira, Gloria se consagrou no mercado nacional de moda como uma das grandes criadoras do nosso tempo, com premiações, colaborações de peso, exposições e publicações como o livro Coleção Moda Brasileira by Gloria Coelho, em 2007, e trouxe nesta coleção um resumo de sua essência.
Dentre seus léxicos, Gloria Coelho ressaltou a alfaiataria precisa e particularmente geométrica que se tornou um de seus símbolos, além do uso proeminente do branco e preto, dos grafismos das formas e dos recortes que revelam o corpo, em alguns momentos com muita pele à mostra. E o fez da maneira particular e única do universo que construiu durante sua carreira. A moda desfilada chega fresca, com ares extremamente novos e apelo ao público mais jovem, como uma mostra de que se manter fiel à própria essência é um caminho possível e rico para a criação de moda. Uma confiança criativa que vemos permeada por todas essas três marcas, cada uma à sua maneira.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.