Primeira semana do ano e, confesso, mesmo sabendo que a passagem do calendário é puramente um sistema mundial de medida inventado para organizar nossas vidas, deixar 2020 me inspirava como se 2021, em um passe de mágica, trouxesse a nossa redenção. Escrevi um adeus ao ano que terminou no último domingo do 2020 e uma crônica sobre a beleza que tanto espero ver em 2021 na semana passada, o primeiro domingo deste ano.
Mas a semana começou, os números da pandemia que vivemos voltou a crescer, acompanhei pela imprensa festas e mais festas pelo Brasil e minha real noção de que nada mudou teve que se sobrepor ao impulso fantasioso de uma Alice algumas vezes no País das Maravilhas.
Natural sentir uma alegria genuína no começo do ano, um impulso bem-vindo como se fosse um arranque para nos dar a força inicial, mas nenhuma fuga para um estado de felicidade justifica escondermos a verdade, fingirmos que está tudo bem. Este 2021 começa nos pedindo responsabilidade e cuidado, implorando nossa transformação real.
Passamos por um ano violento – o chamo assim porque foi como me senti quando vi a liberdade sendo tirada de milhares de pessoas e muitas delas partindo antes do tempo. A expectativa de vida poderia ter alcançado novos patamares nesta geração. Teríamos, certamente, muitos chegando aos 100 anos, podendo, assim, contribuir com seu conhecimento e aprendizado, convivendo com os mais jovens, oferecendo a exata noção do tempo e da velhice, um aprendizado que só se tem estando próximo de quem é mais velho.
Tive a oportunidade de conviver intensamente com pessoas mais velhas. Tive um pai nascido em 1924 que sempre foi o pai mais velho da minha turma e seus ensinamentos eram fruto diário da cabeça da geração dele. Tive a chance de ver avós envelhecendo por perto, entender suas aflições e limitações que a idade trouxe.
Essas experiências foram fundamentais para formar meu caráter. A Velhice, de Simone de Beauvoir, é uma leitura que recomendo para quem quer olhar de perto, e por vários ângulos, para essa fase da vida. É um livro de 1970 que traz uma reflexão sobre como o nosso tratamento para com essa geração revela os valores e as prioridades de uma sociedade.
O que diríamos hoje sobre o Brasil? A falta de compromisso com quem mais tem a perder com a pandemia. Jovens que estão sendo criados sem um olhar empático. Ficar em casa e ser privado da liberdade, ainda mais quando se é tão jovem, é difícil. Mas mais difícil ainda, ou melhor, terrível, é perder a vida por falta de empatia.
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