Assistir novela é hábito de milhões de brasileiros, habito este passado já de geração em geração desde 1951, quando a primeira novela brasileira foi apresentada ao público. Assistimos quando gostamos e quase sempre quando não gostamos, já que o hábito é mesmo assim e o costume nos faz dar uma olhada ali na trama que vai se transformando dia após dia. A novela Pantanal, no entanto, quebrou paradigmas ao marcar época em duas gerações com intervalo de 30 anos.
A natureza, que em 1980 já chamava atenção nas cenas da novela, cresceu ainda mais com a tecnologia dos equipamentos e drones que nos mostram imagens que mais parecem de outro planeta para quem vive entre prédios e o concreto das grandes cidades do nosso país. O Brasil e o mundo se transformaram e a preocupação com o meio ambiente talvez nos tenha deixado mais extasiados com a força da natureza pantaneira mostrada todos os dias na trama.
A natureza pode ter continuado mantendo o interesse do público, mas com relação aos personagens, a mudança de foco da audiência chama a atenção. Mulheres que na primeira fase passavam quase despercebidas agora tomam a liderança e se tornam protagonistas da trama. O que mudou? De novo, mudou o mundo, mudou o Brasil e nossa capa retrata isso. Isabel Teixeira, que vive Maria Bruaca, fez as mulheres brasileiras se indignarem com uma relação abusiva que já existia na primeira versão da trama, mas que não incomodava como em 2022.
“A mudança de comportamento fez com que a personagem Maria Bruaca seja percebida de outra forma. Na primeira versão, a atriz Ângela Leal foi primorosa na construção da imagem da personagem, mas o Brasil não estava preparado para se indignar vendo uma mulher ser tão maltratada. Maria Bruaca se transformou em símbolo de liberdade e de mudança e revela uma nova face do tempo em que vivemos”, diz Isabel Teixeira. “Na primeira fase, chegaram a criticá-la por ser muito fogosa”, completa, destacando a mudança da sociedade.
Isabel é uma atriz que tem sua trajetória ligada ao teatro. Diretora e pesquisadora, olha seus personagens com interesse genuíno e traz profundidade na investigação para construção de cada um. “A Maria Bruaca exigiu uma elaboração multifacetada pois é uma mulher criada para existir em um tempo passado e que se depara com a própria sexualidade já na idade adulta. Ela tem uma ingenuidade de quem ficou presa sem experimentar a vida, até que foi forçada a enxergar seu casamento, sua história”, explica.
Um dos pontos fortes da personagem é mesmo a descoberta da sensualidade ao lado de seu par na novela, Alcides, interpretado pelo talentoso Juliano Cazarré. “A tragédia da vida da Maria Bruaca ao descobrir que seu marido tem outra família se transforma em sua salvação. Ao perder o chão, a referência como mãe e como mulher, ela se desmonta e parte para sua própria reconstrução. Frente ao abismo, sem referências, sem cultura, tendo vivido excluída da sociedade, em cativeiro, ela finalmente descobre a sensualidade livre, além da beleza padrão e além do corpo e da juventude”, completa Isabel.
Isabel carrega a poesia em suas frases, muito provavelmente herança do pai, o poeta e cantor Renato Teixeira, que compôs hinos do nosso Brasil profundo como Romaria, que homenageia a padroeira do Brasil, nossa Sra Aparecida. Esta poesia, graça e alegria cheia de ingenuidade de quem está descobrindo um novo mundo, estão presentes na composição de sua Maria Bruaca que tocou as brasileiras a ponto de transformar seu nome em um dos mais citados no mundo digital. Uma ode à liberdade da mulher em constante descobrimento.
Styling: Aneco Oblangata
Beleza: Cris Biato
Assistente de Styling: Israel Oliveira
Assistente de Fotografia: Fernando Bentes
Assistente de Beleza: Creuza Tolentino
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