Dois jatos de água, acompanhados de um som suave vindo do oceano, brotaram perto da costa paulistana, na Enseada das Anchovas, em Ilha Bela, logo em frente da embarcação do biólogo e oceanógrafo Luciano Candisani. Um mais forte e outro brando, os esguichos confirmaram a suspeita: uma baleia-jubarte dera à luz há poucos dias por ali. A novidade?
“A imagem foi um importante subsídio científico para mostrar, agora de forma documental, que algumas espécies de baleias têm procriado em outros locais da costa do Brasil, além da Bahia”, conta, animado, o artista em pleno alto-mar em uma ligação telefônica, a bordo do veleiro de um colega, não muito longe da área da qual clicou a cena. “Isso confirma a força da vida marinha e sua adaptabilidade. Populações que reocupam lugares do oceano e geram vida”, completa.
A fotografia foi escolhida como capa do livro Atlântico Paulista: Carta de Navegação pela Biodiversidade (Editora Coral Vivo), publicação lançada este mês que documenta de forma poética e potente a vida marinha da costa tão frequentada por brasileiros e, ao mesmo tempo, tão pouco conhecida em sua forma mais profunda.
“O objetivo deste ensaio é abrir uma escotilha para ambientes tão ricos que nos cercam, mas ainda pouco explorados. Só dessa forma poderemos aprender melhor como preservar tais biomas”, explica Candisani, que aproveitou o tempo de isolamento dos últimos dois anos causado pela pandemia para viver em sua casa flutuante, o veleiro Hiva Oa, para lançar-se nessa empreitada, revisitando áreas já exploradas para registrar seu atual desenvolvimento.
Destaque na fotografia contemporânea, Candisani possui uma prolífica trajetória quando o assunto é registro de culturas tradicionais do ecossistema. Entre seus últimos projetos de destaque, está a série de imagens expostas no Instituto Moreira Salles, que conta a história das mergulhadoras da Ilha de Jeju, na Coreia do Sul.
Elas são senhoras de cerca de 90 anos de idade que mergulham só com o ar dos pulmões a até 10 metros de profundidade, onde permanecem por dois minutos em busca de polvos, peixes, conchas e outros frutos do mar, mantendo uma tradição de mais de quatro séculos. “Essa é uma história sobre a força peculiar das mulheres e vem carregada de lições importantes sobre temas universais como a passagem do tempo, o pertencimento e a ligação com o ambiente do qual nossa sobrevivência depende”, conta.
A vontade de conscientizar e aproximar espectadores do universo natural fez com que o artista disponibilizasse seu mais recente trabalho por meio de download gratuito no site do Instituto Coral Vivo. “A imagem de São Paulo é normalmente associada ao processo acelerado de urbanização. Muitos não conhecem a maior e mais frágil riqueza do Estado, nosso patrimônio natural”, explica o especialista em biologia marinha Tito Lotufo, coordenador do projeto.
Entre as próximas viagens, reforça Candisani, está a sequência de navegações pelas ilhas oceânicas a fim de revisitar e documentar a transformação desses biomas. Uma empreitada que certamente merecerá mais uma boa publicação a ser colecionada.
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