O haute couture, braço da moda que entrou em foco absoluto nesta última semana, em Paris, é pautado pela liberdade criativa extrema e pela valorização do trabalho artesanal, com técnicas passadas de geração em geração dentro de ateliês altamente especializados. Na alta-costura, tudo é personalizado e, nesse segmento, as peças ganham “permissão” para serem criadas e concebidas com tempo. Diferentemente de uma coleção de prêt-à-porter, em que a escalabilidade é um fator indiscutível, no haute couture cada look é único e tem o tempo de criação e produção como seu principal luxo.
Sim, é uma moda distante, fisicamente, para a maioria da população. Afinal, os custos de cada uma das peças criadas sob essas condições são altíssimos. A semana, no entanto, é também um celeiro de ideias e novas propostas de criadores singulares, como Alessandro Michele, o novo diretor criativo da Maison Valentino, que fez sua estreia no mundo da alta-costura na quinta-feira, 30 de janeiro.
Eu pude criar roupas que têm sua própria calma”, disse o diretor criativo em uma conferência de imprensa para um seleto grupo de jornalistas de moda do mundo. “Algo que se materializa nessa dimensão através da lentidão – em um mundo onde você desliza a tela do telefone, no máximo, para parar o tempo de enviar uma curtida. E esse tempo (da alta-costura) nos dá uma grande oportunidade para uma apresentação incrível”, reforçou.

Michele não é um homem de sutilezas – seu histórico na moda serve como prova – e, em sua primeira coleção de alta-costura para a Valentino, não foi diferente. Ao mesmo tempo que sua visão criativa se fez absolutamente presente, o respeito pela arte da haute couture também marcou presença.
”Descobri coisas que não sabia, técnicas que nunca havia considerado, porque é um trabalho muito único, muito específico. É um trabalho antigo, que atravessou tudo o que temos feito. E também uma série de técnicas que, para mim, representam o início de tudo: o crochê, os trançados, a marchetaria, os volumes… a virtuosidade de saber construir uma roupa através da estrutura que determina o caminho dessa peça”, comentou o diretor, emocionado com o novo momento de sua trajetória.
Na passarela, a ambientação trouxe uma clara expressão à la Michele sobre o futuro e a velocidade que pautam a cultura e a moda contemporânea. Pense em painéis de LED, iluminação dramática e uma sequência de termos desconexos. “Palavras que me vêm facilmente, de forma crua”, revelou o diretor, em uma aparente displicência totalmente alinhada ao comportamento virtual das novas gerações.
Mas, na sequência de looks, Alessandro contou outra história. Na Valentino alta-costura da temporada, o passado estava mais presente do que nunca. O desfile foi pautado principalmente por silhuetas históricas, estilizadas em contextos completamente descolados de seus cenários de origem.
Michele não deixa de celebrar as tradições da moda e sabe como explorar a expertise dos profissionais couture do ateliê Valentino, mas o faz de forma extremamente fiel à sua abordagem estética. O mix de referências, algo inerente ao seu trabalho, vai além das décadas do último século – sempre abordadas em seus desfiles prêt-à-porter – e olha para a moda de eras passadas. As mangas trazem bordados ao melhor estilo do Renascimento italiano, enquanto os vestidos se diferenciam com suas saias estruturadas, relembrando as crinolinas que formavam silhuetas de outras épocas.
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O styling também engana. À primeira vista, Michele parece ter apresentado mais um de seus desfiles maximalistas, com produções e combinações exuberantes e dezenas de diferentes elementos. Mas, na verdade, todo o trabalho e as intenções criativas estavam nas roupas. Com exceção das pulseiras, meias bordadas, sapatos e alguns chapéus, que complementam os visuais, cada look, apesar do caráter maximalista, brilha por si só.
“Há sempre uma maestria sartorial incrível. A roupa é construída como uma escultura. Cada prega é desenhada – uma por uma, de forma intencional”, explica Michele.
Com sua primeira coleção, o diretor prova que sua visão estética própria é, sim, algo intrínseco ao seu processo criativo. Mas também demonstra que entende como seu olhar pode ser traduzido dentro do universo Valentino. Seu grande mérito está em entregar uma coleção esteticamente coerente com seu trabalho, totalmente alinhada ao legado da marca e repleta de peças cuja principal virtude é a unicidade – independentemente do contexto.