Qual é o segredo de Ralph Lauren? Como ele cria desejo pelos produtos de sua marca bilionária?

O que a famosa empresa de moda americana tem que as marcas mais jovens estão perseguindo? Entenda a construção de mundo que mantém o empresário no mercado há 56 anos

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Por Jessica Testa

THE NEW YORK TIMES - As roupas são secundárias. Quase todo mundo reconhece isso, até mesmo o próprio Ralph Lauren, que há muito tempo afirma não se considerar um designer de moda.

Ralph Lauren caminha na passarela para receber os aplausos logo após o desfile. Foto: Jane Kim/The New York Times

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“Nunca gostei de moda”, disse ele ao New York Times em 2021. “Gosto de coisas que melhoram com o tempo”.

É a construção de mundo que mantém Lauren no mercado há 56 anos: seus anúncios que podem ser confundidos com fotos de filmes; suas lojas disfarçadas de propriedades rurais; seus restaurantes que fazem você sentir que está em um clube equestre, mesmo que você nunca tenha nem chegado perto de um clube equestre.

Mas como Ralph Lauren constrói esses mundos? É uma questão que vem intrigando vários jovens fundadores da moda americana, desesperados por capturar esta fórmula (sem falar na receita de 6,2 bilhões de dólares no ano fiscal de 2022, segundo a empresa) e imbuir de nostalgia suas chamadas marcas de estilo de vida.

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Temos o caso da Aimé Leon Dore, cujo fundador acredita que seus clientes estão “comprando um mundo” quando adquirem uma única peça de roupa masculina e que escreve uma carta de agradecimento a Lauren todo ano. Temos também a LoveShackFancy, marca cujo universo de estampas florais está se expandindo rapidamente - fragrâncias, malas, lençóis, boias de piscina - e cuja fundadora transformou suas lojas em salões ultra femininos, com um estilo meio Vitoriano, meio Versalhes, repletos de móveis vintage e fotos de família.

Poppy Delevingne, Amanda Seyfried e Jonathan Bailey conversaram na sala de jantar à luz de velas. Foto: Jane Kim/The New York Times

Familiaridade e desejo

Para estas e muitas outras marcas, aqui vai uma teoria sobre a fórmula Ralph Lauren: o importante é combinar familiaridade e desejo.

O mundo mais recente de Lauren, construído no Brooklyn Navy Yard para seu desfile de moda feminina da primavera de 2024 na sexta-feira, imitou uma de suas casas: um rancho no Colorado com paredes forradas de toras e lareiras de pedras, com cobertores de povos nativos americanos jogados sobre móveis de couro e tendas para hóspedes.

Ele já fez isso antes. No ano passado, Lauren construiu uma réplica da sala de estar de sua residência na Quinta Avenida dentro do Museu de Arte Moderna, onde modelos com quem trabalhou desde a década de 1990, como Tyson Beckford (familiaridade), fizeram contato visual ardente e brilhante com a plateia (desejo).

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A versão Brooklyn desse mito do Velho Oeste construída para o desfile de moda tinha familiaridade: estrutura de madeira falsa e cadeiras brancas intencionalmente incompatíveis, um estilo conhecido por qualquer pessoa que tenha visto pelo menos cinco minutos de programação da HGTV.

E tinha desejo: os corpos esbeltos em cima daquelas cadeiras pertenciam a Julianne Moore, Jennifer Lopez, Diane Keaton e Amanda Seyfried, sentadas lado a lado, como o grupo de amigas mais invejável do mundo. Os convidados VIP usavam roupas Ralph Lauren alinhadas com o tema do salão sofisticado: chapéus de cowboy, ternos risca de giz, vestidos com franjas, cintos de fivela grande e gravatas bolo.

Sheryl Crow e Julianne Moore foram companheiras de assento no jantar. Mas quais dos pratos favoritos do Sr. Lauren eles escolheram? O branzino ou filé mignon? Foto: Jane Kim/The New York Times

E tinha aquele junção invencível de familiaridade e desejo: no final do desfile, Lauren apareceu com uma roupa de quem só quer cumprir os afazeres do sábado - camisa verde-oliva de botão com as mangas levemente arregaçadas, calça cargo bege - e acenou para a multidão (familiaridade.) Naquele exato momento, a porta do celeiro atrás dele se abriu, revelando uma luxuosa sala de jantar: mesas à luz de velas estendidas sob lustres de vidro, taças de vinho esperando para serem enchidas e, no cardápio, filé mignon do gado que vivia na fazenda do Colorado (desejo).

“Ele está capturando esse momento místico americano que talvez nem tenha existido de verdade, mas ele sabe como é a sensação de desejá-lo”, disse a atriz Keri Russell, vestida de saia de couro preto e camisa branca, com uma gravata borboleta de lantejoulas no pescoço. “Como cresci no Colorado e no Arizona, nesses lugares assim, sei o que ele está tentando vender. Parece bem americano para mim”.

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Jennifer Lopez e Diane Keaton conversaram enquanto esperavam o início do desfile. Foto: Jane Kim/The New York Times

Estilista estrelado

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Para a cantora Sheryl Crow, que cresceu no Missouri, este é seu tipo de roupa preferido: “vintage, americano, estrada de terra, uma coisa que conta uma história”, disse ela, enquanto Bob Dylan e Cat Power tocavam nos alto-falantes. (“Essa playlist deve ser o que aparece quando você procura ‘playlist Ralph Lauren’ no Google”, disse a curadora de arte Brooke Wise).

No closet de Crow há jaquetas e botas da Ralph Lauren que ela possui há trinta anos, disse ela. Em pelo menos duas turnês ela usou jeans com tachas e franjas da Double RL, uma das linhas da marca Ralph Lauren, conhecida por aplicar um visual mais rústico a roupas inspiradas em uniformes militares e de trabalho.

Em um jantar da semana de moda, alguns dias antes do desfile de Ralph Lauren, perguntei a Stellene Volandes, editora da Town & Country e frequentadora assídua dos eventos de Lauren, se havia elementos da construção de mundo de Ralph Lauren que o diferenciassem. Afinal, Lauren tem análogos em designers como Brunello Cucinelli e Giorgio Armani, que, como Volandes apontou, “criaram um ponto de vista muito específico e uma história muito específica e se apegaram a isso e prosperaram por causa disso”.

A supermodelo dos anos 90, Christy Turlington, fechou o desfile com um vestido disco-cowboy dourado em lamê. Foto: Jane Kim/The New York Times

Propósito

Quando se trata de Ralph Lauren, disse Volandes, há um “propósito” na forma como a marca convida as pessoas para seus mundos, projetando listas de convidados e arranjos de assentos com precisão política. E muitos apoiadores, como Keaton, que usou Ralph Lauren enquanto interpretava Annie Hall, são leais há décadas. Keaton estava sentada ao lado de Lauren em um jantar que ele ofereceu na Califórnia no ano passado.

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“A semana da moda às vezes parece um vale-tudo”, disse Volandes.

Mas não nestas mesas, onde mais de 20% da lista de convidados de 250 pessoas podem ser consideradas famosas - e não necessariamente do TikTok.

O espaço de jantar inspirou-se em um celeiro opulento. Animais de fazenda não incluídos - exceto em algumas peças de porcelana.  Foto: Jane Kim/The New York Times

Não nestas mesas, onde a porcentagem de pessoas usando relógios Cartier parecia maior do que em qualquer outro evento em que estive durante a New York Fashion Week.

Não nestas mesas, onde Laura Dern fala sobre seu apreço pela “humildade” de Lauren - falando ao Times dois anos atrás, ele se referiu a si mesmo como uma “pessoa normal, acho” - e como as roupas parecem “verdadeiras” para ela.

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Verdade é um conceito interessante quando se discute uma marca tão devotada à fantasia. Mas essa ideia surgiu várias vezes entre as celebridades: “Não frequentamos nada voltado para a moda, somos muito chatos e tímidos”, disse Russell, referindo-se a seu companheiro de vida e de telas, Matthew Rhys, também presente. “Talvez pareça meio bobo ou constrangedor, mas tenho muita dificuldade em fazer qualquer coisa que me faça sentir que não é verdade”.

Mesmo assim, ela decidiu comparecer. “Não achei que estaríamos fingindo”, disse ela. “O que ele representa, o que ele está vendendo, acho que eu entendo”. Familiaridade e desejo./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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