Ter consciência da importância do valor da sabedoria é ser gigante

‘Como brasileira, vejo apagarmos nosso passado, nossas histórias; vejo menosprezarmos o conhecimento das gerações passadas’

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Foto do author Alice Ferraz

Na semana passada, em frente de um dos gigantes vitrais do artista Marc Chagall, na pequena cidade de Reims, na região de Champagne, na França, não consegui conter a emoção, que se transformou em choro. A arte muitas vezes tem esse poder de nos transportar para lugares desconhecidos dentro de nós. Descobri que os três painéis de vidro de 10 metros produzidos manualmente, unindo as pequenas peças coloridas em tons variados que formam figuras e paisagens deslumbrantes, foram construídos para o artista por um pequeno ateliê que passa de geração em geração o ofício da construção de vitrais, desde 1600. Depois de saber da história, fiz questão de conhecer pessoalmente o local, onde fui recebida por uma jovem artesã que, durante duas horas, com toda a alegria de quem faz o que gosta, me guiou em detalhes pelo ofício, do desenho do artista à montagem minuciosa da obra completa, passando pela escolha das cores dos vidros e pelo corte de cada pedaço.

"Me lembrei da frase usada diversas vezes por Isaac Newton: 'Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes'." Foto: Juliana Azevedo/Divulgação

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Fiquei impressionada com a pouca idade e grande experiência de todo o time de artesãos e me lembrei da frase usada diversas vezes por Isaac Newton: “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. As artesãs construíram a base de seu trabalho a partir do conhecimento de gigantes da arte de fazer vitrais. E, assim, a ideia me seguiu por dias em visitas guiadas sempre por jovens personagens “sentadas em ombros de gigantes”.

Foi na mesma região que fui apresentada também à expertise de séculos de técnicas para chegar ao melhor champanhe. E onde caminhei por vinhedos pensados a partir da biodinâmica, criada há mais de 200 anos. Em comum em todas as histórias, nenhum jovem detentor da ideia original, mas que, com o conhecimento de onde partiam, traziam pontos de inovação constantes. Não enxerguei nenhum sentimento de menos-valia, mas, sim, de orgulho; e também vi inovações que só poderiam ter sido pensadas por mentes do nosso tempo. Mas, e se tivéssemos sempre de partir do zero, sem aproveitar a imensa contribuição de quem veio antes? E se os franceses jogassem fora esse conhecimento todo encontrado no passado, o velho, como algo a ser menosprezado pelas ideias de uma juventude cheia de novas certezas?

Como brasileira, vejo apagarmos nosso passado, nossas histórias; vejo menosprezarmos o conhecimento das gerações passadas. E, assim, acabamos diminuindo a força da identidade cultural que faria nossos jovens construírem algo a partir desse conhecimento.

Ter consciência da importância do valor da sabedoria que só pode ser passada de geração a geração é ser gigante em nossas trajetórias individuais. Assim, seguiremos construindo a nossa parte em cima dos ombros que nos trouxeram até aqui.

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