Uma reflexão urgente sobre afetos reais e ruídos imaginários

Conselho ouvido de quem entende: que cada um olhe para sua própria vida antes de mergulhar nas crises globais

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Foto do author Alice Ferraz

Nos últimos anos, o consumo excessivo de informações tornou-se um dos principais fatores associados ao aumento da ansiedade. Os números globais impressionam: 8,5 bilhões de buscas são realizadas no Google todos os dias, segundo o DataReportal. No Brasil, o impacto é ainda mais evidente: ocupamos o segundo lugar, no mundo, em tempo médio diário conectado, com 9 horas e 13 minutos, conforme o Relatório Digital 2024 da We Are Social e Meltwater. Essa hiperconexão, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, contribuiu para um aumento de 25% nos transtornos de ansiedade durante a pandemia; e os efeitos seguem presentes no período pós-pandemia, destacando a importância de priorizar a saúde mental.

Nilton Bonder sugere ‘blindagem emocional’ ante conteúdo negativo. Foto: Leo Martins/Divulgação

O pensador e rabino Nilton Bonder enxerga nessa sobrecarga de informações uma das raízes do mal-estar contemporâneo, especialmente intensificado no fim de ano. Esse é um período de celebração que propõe alegrias intensas, mas que, ao mesmo tempo, nos cobra através da nossa consciência crítica o que ele descreve como “contabilidade emocional”, quando confrontamos o que realizamos ou deixamos de fazer, os famosos balanços de fim de ano. “Sempre convivemos com calendários. Todas as tradições têm datas de reflexão. Marcar ciclos é humano e importante”, reflete o rabino. No entanto, viver esses momentos de pressão envolto em excesso de notícias – muitas delas negativas – desvia nosso foco dos afetos e daquilo que Bonder chama de “realidade não mediada”.

Negatividade

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Um ponto crucial, segundo ele, é o impacto da negatividade no nosso dia a dia. “O mundo e as opiniões ruins são as que mais engajam”, afirma. Esse volume de conteúdos negativos e polarizados acaba distorcendo nossa percepção, aumentando a sensação de descontentamento e ansiedade. Para lidar com isso, Bonder sugere a necessidade de “blindagem emocional”. Não se trata de abandonar as redes sociais ou parar de consumir notícias. Afinal, estamos no século 21 e essa é a realidade – mas é essencial evitar que essas informações ganhem um peso maior do que deveriam; não devemos dar a elas uma “grandeza referencial para nossa vida”.

Carioca, Bonder formou-se em Engenharia Mecânica pela PUC-RJ antes de seguir sua vocação religiosa. Ordenado rabino no final dos anos 1980 pelo Jewish Theological Seminary de Nova York, ele também tem mestrado e doutorado em Literatura Hebraica. Sua trajetória ultrapassa os limites da esfera religiosa, com reflexões que dialogam com temas universais, como ética, filosofia e comportamento humano.

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Navegando por esses temas, ele destaca que o deslocamento das referências do convívio humano para o ambiente de consumo digital é uma das grandes fontes de angústia da atualidade.

Essa reflexão também abrange as relações interpessoais, muitas vezes comprometidas por debates ideológicos e desentendimentos sobre temas globais, como política e mudanças climáticas. “Se seu amigo de uma vida pensa diferente de você, faz sentido cancelá-lo por conta de uma notícia que chegou até você por diversos filtros? As amizades fazem parte das suas referências reais, e perdê-las por conta de conteúdos é muito preocupante”, adverte.

Nova abordagem

Neste fim de ano, marcado por balanços e reflexões, Bonder propõe uma abordagem prática: olhar para a própria vida antes de mergulhar nas grandes crises globais.

“Somos impotentes diante de muitas decisões globais, mas podemos agir em nossa esfera pessoal. Pergunte-se: fui bom para meus amigos, minha família, no meu trabalho? Se a resposta for sim, o mundo está melhor. Se não, está nas suas mãos fazer diferente”, conclui.

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