O desejo e o impulso de comprar são maiores que qualquer taxa do cheque especial ou do cartão de crédito. O objeto desejado - por mais supérfluo que possa ser - passa a se tornar uma obsessão, um artigo de primeira necessidade. O comportamento dos compradores compulsivos tem até um nome, oneomania, e está retratado de maneira bem-humorada no livro Becky Bloom, Delírios de Consumo na Quinta Avenida, de Sophie Kinsella, que acaba de sair no Brasil. É a segunda publicação da jornalista inglesa a ser lançada no País. No ano passado, o primeiro livro da série, Delírios de Consumo de Becky Bloom, foi um sucesso de vendas. A história da personagem central, Becky Bloom, é engraçada não apenas para quem se identifica com seu comportamento "gastão" como também para os "controlados". Becky Bloom é do tipo que liga para o trabalho dizendo que está doente para conseguir chegar a tempo de pegar as melhores peças de uma liquidação e inventa que está sendo perseguida por um tarado só para fugir do gerente de seu banco, furioso com seus gastos. Neste novo livro, a personagem vai para Nova York e quase enlouquece na Quinta Avenida. Embora algumas situações possam até parecer irreais para quem consegue administrar suas contas, há mulheres que são a perfeita encarnação de Becky Bloom. A química Fernanda Pezelli, de 26 anos, é um exemplo. Ela leu o primeiro livro e disse que se identificou totalmente com a personagem. "Parecia que estava me vendo naquela situação". Cartões de crédito e cheque especial Uma das semelhanças é a conta bancária de Fernanda, que vive no vermelho. "Cheguei a ter três cartões de crédito, mas passei a usá-los no rotativo e fiquei devendo mais de R$ 10 mil. Agora tenho um só e estou renegociando minhas dívidas", diz Fernanda, que continua parcelando sua dívida no cartão que lhe restou e ainda pediu aumento no limite no cheque especial. Fernanda gosta tanto de gastar que não ficou em dúvida em pegar os R$ 1.000 que uma tia havia lhe dado para comprar livros para se reciclar profissionalmente e torrá-los em três sapatos. "Era pouco dinheiro e não iria adiantar amortizar o que devo, preferi comprar", diz ela, que tem mais de 50 bolsas, 30 pares de sapatos e garante que ainda lhe falta muita coisa. "Toda vez que vou ao shopping (pelo menos duas vezes por semana) tenho vontade de comprar", conta ela, que dá muitas de suas roupas sem nunca ter usado e ainda com etiqueta. Desfazer-se do "estoque" não é um hábito de todas as compradoras ensandecidas. A produtora Marina Fellfelli, que tem mais de 200 óculos escuros, 400 bolsas e sapatos e uma quantidade de roupas que não sabe computar, diz que não joga nada fora. Ela justifica: "Ganho muita coisa e acho que o presente não pode ser dado assim". Os amigos mais próximos de Marina - que é conhecida em lojas e bazares de São Paulo por comprar muito - dizem que ela ganha 15% do que tem e o restante compra mesmo. A produtora não gosta de falar sobre cifras porque "há coisas mais importantes na vida" e diz que é difícil para as gastadeiras admitirem que têm dificuldade em pagar suas contas. "Conheço muita gente que vive no vermelho mas não admite", dispista. Em São Paulo, há até um grupo de devedores anônimos - nos mesmos moldes dos alcoólatras anônimos - que antes pertenciam à categoria dos gastadores notórios. A publicitária Paula P., de 29 anos, que pediu para não ter o sobrenome revelado, está pensando em participar do encontro. Ela pediu para não ser fotografada porque está devendo mais de R$ 15 mil para o banco, dívida adquirida com compras. O gasto que não tira o sono Paula chegou a inventar um caso de doença na família para justificar uma falta no escritório e ir às compras. "Era um bazar de uma grife famosa e os preços estavam reduzidos em até 50%. Fiquei doida quando soube que era o último dia e disse que minha mãe não estava passando bem". O namorado de Paula também não sabe que ela torra os R$ 4 mil que ganha em roupas e que está devendo tanto dinheiro. "Estou sempre com uma roupa nova e às vezes ele pergunta: ´custou caro?´ Eu digo que não, que achei a roupa num brechó ou numa promoção. Imagina... a roupa é caríssima e ele acredita em qualquer bobagem que eu diga". Mas Paula não perde o sono por seu descontrole. "Adoro comprar, isso me dá muito prazer. Não posso viver gastando só o que ganho, é muito pouco para mim". Outra que também não se preocupa com os seus gastos é a decoradora Carla Potter, de 36 anos, uma espécie de representante ambulante das empresas de cosméticos. Carla é incapaz de ver uma novidade no mundo cosmético e não ficar com vontade de comprar. Carla tem mais de 200 produtos, incluindo batons, sombras, cremes e xampus, sem contar os perfumes. Ela usa dois cremes distintos para o rosto, três para o corpo, um específico para as mãos e três tipos de produtos diferentes para o cabelo. Também gasta com roupas e acessórios e tem bolsas e sapatos de modelos iguais e cores diferentes. "As pessoas dizem que eu sou perua, me chamam de Penélope Charmosa, mas não ligo. Gosto de andar cheirosa e arrumada e gasto o que precisar para isso."
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