30 anos sem Tom Jobim: Artistas de várias gerações falam sobre o músico e sua influência hoje

A convite do ‘Estadão’, 23 artistas de diferentes épocas, entre eles Alaíde Costa, João Bosco, Lô Borges, Guilherme Arantes, Tim Bernardes e Rubel, analisam se, e como, a obra do compositor ainda reverbera na música popular brasileira; veja depoimentos e homenagens

PUBLICIDADE

Foto do author Danilo Casaletti

Neste domingo, 8, completam-se 30 anos da morte de Tom Jobim, um dos maiores compositores do século 20. Figura fundamental na modernização da música popular brasileira, Tom esteve na gênese da construção musical que culminou no surgimento da bossa nova, em 1958, movimento que, como nenhum outro, foi capaz de influenciar artistas internacionais, sobretudo os músicos de jazz nos Estados Unidos.

Passadas três décadas da saída de cena de Tom - e 66 do marco inicial da bossa nova -, a música de Tom Jobim, que fundiu o erudito ao popular valorizando a melodia, continua a influenciar as novas gerações de músicos, compositores e cantores no Brasil, assim como fez com a geração imediata à sua? O Estadão fez essa pergunta a quase 30 artistas de diferentes gerações - e o escritor Ruy Castro, como convidado.

O compositor Tom Jobim se dedicou a construir grandes melodias Foto: Clovis Ferreira /Estadão

Apesar das diferenças de opinião, há um consenso: Tom Jobim é, ainda hoje, uma audição obrigatória para quem pretende ser músico ou cantor. Foi ele que rompeu com o passado esfumaçado dos sambas-canção e colocou luz na música brasileira. Com Tom, nessa mesma brisa de modernidade que soprou pelas ruas da Zona Sul carioca na segunda metade do século 20, estavam João Donato, João Gilberto e Johnny Alf, Dolores Duran, Tito Madi, entre outros - e as letras de seu parceirinho ideal, Vinicius de Moraes.

Os músicos Tom Jobim, Chico Buarque e Milton Nascimento durante ensaio para show em São Paulo, em 24/1/1990. O maestro teve grande influência na geração imediata à sua Foto: Mônica Zarattinni/Estadão

A música de Tom, segundo os artistas ouvidos pela reportagem, reverbera até de maneira inconsciente em tudo o que é feito atualmente - e até mesmo naqueles que, de alguma forma, tenta negar sua estética. Vamos às opiniões:

Publicidade

Temo que, se Tom ainda estivesse entre nós e trabalhando, ele também não estaria mais no mercado

Ruy Castro

  • Ruy Castro, 76 anos, jornalista e escritor

“Por que limitar a pergunta a Tom Jobim? John Lennon ainda influencia novas gerações? Stephen Sondheim, o maior compositor americano da segunda metade do século 20, ainda influencia novas gerações? Chico Buarque ainda influencia novas gerações? Não sei. Pode-se imaginar hoje garotos usando o piano, a caneta ou o violão para produzir beleza e exprimir coisas relevantes, como eles faziam? Quero até crer que existam, mas onde estão? Não no mercado. Temo que, se Tom ainda estivesse entre nós e trabalhando, ele também não estaria mais no mercado.”

A música brasileira está muito esquisita no momento

Alaíde Costa

  • Alaíde Costa, 89 anos, cantora e compositora
A cantora Alaíde Costa, legítima representante da bossa nova Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Alguns músicos são bastante influenciados. Cantores, alguns. Porém, de modo geral, acho que Tom não influencia mais. A música brasileira está muito esquisita no momento.”

Publicidade

  • Joyce Moreno, 76 anos, violonista, compositora e cantora

“O Tom não influencia as novas gerações do Brasil, porque ninguém mais sabe quem ele foi. Apenas estudantes de música ainda conhecem. Aliás, músicos conhecem e são influenciados por ele no mundo inteiro. Mas, essa música está no ar, na imagem que o mundo faz de nós (e que talvez a gente não mereça). E ainda mais, o pensamento dele sobre a vida, o Brasil, a natureza, traduzido nessa obra tão grandiosa, isso fica pra sempre, eu acho. Ou melhor, espero. É nosso clássico, como em outras culturas foram Bach, Beethoven, Debussy, Gershwin, Coltrane”.

  • Danilo Caymmi, 76 anos, instrumentista, cantor e compositor. Fez parte da banda de Tom

“Não acredito que Tom influencie artistas de novas gerações. Do jeito que a música está atualmente, a melodia sumiu do mapa. É raridade. A melodia de Tom está no show que faço com a Stacey Kent.”

Publicidade

PUBLICIDADE

  • Paula Morelenbaum, 62 anos, cantora. Fez parte da banda de Tom

“Sim, acho que o Tom Jobim continua influenciando a nova geração que aprecia a boa música, a música bonita, de qualidade, que arrebata desde o primeiro acorde e te conduz a caminhos prazerosos de se trilhar. A nova geração do mundo inteiro, mas especialmente a do Brasil, se encontra e de alguma forma e se identifica com essa música que corre nas suas veias por ancestralidade.”

  • Leila Pinheiro, 64 anos, pianista, cantora e compositora

Pensando nas novas gerações de todo o Brasil, infelizmente, Tom as influencia infinitamente menos do que poderia ou deveria, em se tratando de um dos maiores compositores do mundo. Há um mar de novos artistas, compositores, que conhecem profundamente a mistura que ele fez do erudito com o popular, da bossa brasileira ao jazz e à música do mundo. Mas é tudo muito menor do que seria, penso eu, se a música dele tivesse uma forte e incansável divulgação nas plataformas digitais, onde as novas gerações ‘moram’. Tive a imensa sorte de conhecê-lo logo no começo da minha carreira, indo à casa dele aqui no Rio de Janeiro para, talvez, ganhar alguma música inédita para meu primeiro LP. Ganhei, além da música (Espelho das Águas), o sim dele para me acompanhar ao piano.”

Publicidade

Coitada dessa nova geração se não ouvir Tom!

Claudette Soares, cantora

  • Claudette Soares, 89 anos, cantora
Claudette Soares ganhou música de Tom Jobim Foto: Murilo Alvesso

“Coitada dessa nova geração se não ouvir Tom! O profissional da música que não ouvir Tom jamais vai poder fazer música moderna no Brasil. Ele é a maior autoridade, harmonicamente falando, da música popular brasileira. Como disse, sabiamente, Chico (Buarque), ele é o ‘maestro soberano’, a base harmônica da música moderna, como foi a bossa nova - e sempre será a bossa nova, eternamente moderna. Não à toa, a bossa nova influenciou músicos nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Graças a Deus eu tive uma música feita para mim por ele (Só Saudade) e pude conhecê-lo.”

  • Roberto Menescal, 87 anos, violonista e compositor

“Não posso dizer se Tom influencia novas gerações em larga ou pequena escala. Sei que música dele está pelo mundo inteiro, certamente muita gente jovem está tendo conhecimento de sua música. Aqui no Brasil, dou dois exemplos: os Irmãos Campolongo (Davi e Mari) e a Analu Sampaio, uma jovem de 16 anos que canta as canções dele. A música do Tom ficará marcada infinitamente. Foi o grande compositor. Ele nos ensinou tudo que está aí.”

Publicidade

  • Zé Manoel, 44 anos, pianista e compositor

“Não me considero parte da nova geração - estou com 44 anos. Mas, na minha vida, foi importante reconhecer os compositores eruditos que estudei no piano, como Chopin, Villa-Lobos e Ernesto Nazareth, na música popular de Tom, que traz elementos juntos da música negra e de tudo o que ele aprendeu com Jhonny Alf. O primeiro CD que comprei foi o último de Tom, o Antonio Brasileiro. Foi uma explosão na minha cabeça!”

  • Marcos Valle, 81 anos, pianista, cantor e compositor

“A influência do Tom permanece, não só no Brasil, mas pelo mundo afora. Principalmente nas harmonias e nas melodias. A sofisticação dele, tanto no lado jazzístico, quando na música como um todo, permanece. No meu caso, sou muito influenciado pelo Tom, tanto no ritmo quanto nas melodias. E a música que faço tem influência nas gerações novas de músicos também.”

Publicidade

Jobim demanda delicadeza, sentimento e cultura, e isso faz com que seja cada vez mais uma influência segmentada”

Guilherme Arantes

  • Guilherme Arantes, 71 anos, pianista, compositor e cantor
Guilherme Arantes, um apreciador da bossa nova Foto: Alex Silva/Estadão

“Não há como relativizar a influência do Tom sobre qualquer geração: é o maior ‘flagship’ (estandarte) do Brasil em todos os tempos. Claro que é influente sobre a nova geração, só que Jobim demanda delicadeza, sentimento e cultura, e isso faz com que seja cada vez mais uma influência segmentada. A dimensão mais profunda do Tom Jobim é a harmonia. As novas gerações não são mais tão estimuladas a se aventurarem por essa dimensão completamente antialgorítmica! Mas isso, como regra, está aí mesmo para ser quebrada. As novas safras de ‘jobinianos’ têm que lutar muito para ter espaço num mundo tão algorítmico.”

  • Tiago Costa, 52 anos, pianista, compositor e maestro

Mesmo que riqueza harmônica e melodias elaboradas andem em desuso no mainstream, a música de Tom, de alguma forma, consegue furar barreiras e chegar a gerações mais novas. Falo por experiência: flagrei surpreso meu filho adolescente de 15 anos, que escuta quase exclusivamente trap e não está muito ligado na produção musical do pai, no quarto, com fones de ouvido, cantando Chega de Saudade. No mundo dos músicos, acho que posso dizer que Tom segue sendo uma referência maior para novas gerações de instrumentistas. Suas músicas, com acabamento harmônico e estrutura impecável, são um prato cheio para o improviso e seguem muito presentes na música instrumental brasileira. Na Orquestra Jovem Tom Jobim, da qual, nos últimos anos, tenho o prazer de estar ligado, é notável a reverência e a admiração pela música de nosso patrono quando revisitamos suas composições.”

Publicidade

  • Rubel, 33 anos, músico, compositor e cantor

“A música do Tom ainda influencia e acredito que vai nos influenciar enquanto existir esse planeta. Quando criança, meu primeiro contato com a música foi por meio do Tom. Minha família o ouvia sem parar nas viagens de carro, e aquilo me marcou profundamente como uma referência absoluta do que há de mais bonito na música. Acredito que a complexidade, a beleza, a riqueza e a profundidade das harmonias e melodias do Jobim ainda seguem soberanas na nossa música, sem precedentes nem sucessores que possam ter alcançado um ponto tão sublime na feitura da canção. Seguiremos tentando.”

  • Tim Bernardes, 33 anos, músico, cantor e compositor
Tim Bernardes é músico e compositor Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“As novas gerações são influenciadas consciente e inconscientemente. Mesmo quem não sabe que tem influência dele recebe ela de forma indireta. O Tom tem algo muito marcante: é um sujeito musicalmente muito sofisticado e, ao mesmo tempo, das ruas. Um cara que não tem muita fronteira entre música erudita e popular. Entre a música brasileira e universal. Tom é um compositor muito particular, muito brasileiro, mas universal. Me identifico com ele por ser um compositor e não apenas um escritor de canções, que pensa a música como um compositor erudito pensaria, mesmo quando está fazendo uma canção popular.”

Publicidade

  • Ayrton Montarroyos, 29 anos, cantor

“Não sei se todas as novas gerações. A minha, com certeza. Um pessoal com cerca de 30 anos. Os artistas contemporâneos meus são apaixonados por Tom. Quando fiz meu novo disco, A Lira do Povo, pensei muito no Matita Perê, albúm que Tom lançou em 1973. Esse disco me trouxe muitas ideias e aberturas, principalmente pela canção Águas de Março, uma introdução ao Brasil com toda a catástrofe, festa, intempérie e surpresa que ocorrem no País. Musicalmente, Tom foi o compositor que conseguiu, por meio da música e da dança de seu povo, colocar tudo em termos contemporâneos. Até hoje Tom é moderno. Tom se torna inventivo a cada que vez que se ouve ele.”

  • Stacey Kent, 59 anos, cantora

“A música de Tom tem lugar totalmente relevante atualmente. Muitos jovens vão aos nossos shows (dela e de Danilo Caymmi cantando Tom) e não sabem sobre a música historicamente, mas amam o que apresentamos. As músicas de Tom falam de amor, saudade, vontade, de falta, da humanidade, da vida cotidiana... A mistura de alegria e melancolia que é tão fundamental. E Tom fez isso muito bem.”

Tom é passagem obrigatória para qualquer um que queira fazer música no Brasil

Zé Renato

  • Zé Renato, 68 anos, músico, cantor e compositor

“Influencia e vai continuar a influenciar. Não dá para se falar de música brasileira sem falar de Tom Jobim. Ele é o grande arquiteto dessa forma de compor, de harmonização. Tudo vem muito a partir dele. É o criador de um estilo que atravessa gerações. São caminhos que foram abertos por ele que ficarão para sempre. É uma passagem obrigatória para qualquer um que queira fazer música no Brasil. Tive a sorte de estar perto dele em alguns momentos e era como estar perto de uma divindade.”

  • Rodrigo Vellozo, 42 anos, músico e cantor

“O acontecimento de Tom é tão definitivo na cultura popular brasileira, para muito além da música. A música de Tom vai perpassar as novas gerações, mesmo que de maneira indireta, mesmo que seja negando a estética específica dele. Minha influência tem algo afetivo. Eu escutava os discos com o meu pai (Benito di Paula), desde pequeno. Meu pai me ensinou a tocar e a cantar as músicas. Na minha formação acadêmica dissequei tudo, harmonicamente e melodicamente.”

  • Bruno Caliman, 48 anos, compositor e cantor, coautor da música Chico

“Com Tom Jobim, aprendi que existe música feita com a natureza, para a natureza e por natureza. Tom sempre estará onde a música brasileira estiver.”

  • Kell Smith, 31 anos, cantora

“Tom Jobim faz parte da minha vida desde o primeiro instante em que o escutei. Por meio do álbum Elis&Tom, ainda criança. E nunca mais deixei de escutá-lo. Toda sua sofisticação, brasilidade, elegância e musicalidade fazem parte da história da música brasileira e do mundo. Não tem como pensar bossa nova e não pensar em Tom Jobim. E assim será para sempre. Hoje, enquanto representante da nossa música na contemporaneidade, eu tenho a honra de interpretar (ao lado do neto do Tom, Daniel Jobim) o álbum que o apresentou a mim.”

  • Celso Fonseca, 68 anos, músico e compositor

“Tom ainda influencia e vai continuar influenciando muitas gerações no futuro. Seu legado é gigantesco. Ele faz parte da linhagem dos grandes compositores da história da música universal, como Gershwin, Cole Porter e Villa-Lobos. Sua obra é gigante e universal. Um compositor brilhante que levou um Brasil gigantesco e diverso, como fonte de inspiração em toda a sua obra.”

É impossível ser feliz sem Tom

João Bosco

  • João Bosco, 78 anos, violonista, cantor e compositor
O cantor e compositor João Bosco relata influência do Tom Foto: Flora Pimental

“Eu me lembro que lá em Ponte Nova, Minas Gerais, nos anos 1950, eu já cantava música desse imenso compositor, Antonio Carlos Jobim. Cantava Por Causa de Você, parceria dele com Dolores Duran. Cantava Se Todos Fossem Iguais a Você, com Vinicius de Moraes. Nem sabia que essas músicas eram dele. Descobri depois, com amigos, em Ouro Preto. Isso é o que define a canção popular: aquela que você conhece e, muitas vezes, não sabe de quem é, mas ela consegue atravessar todos os caminhos e chegar até a alma de sua gente, do público. A música de Tom é reverenciada no mundo inteiro e teve uma troca de influência com o jazz dos negros americanos. Mas há o Tom do litoral, da areia, da praia. E há o que adentra a mata brasileira, como fizeram Guimarães Rosa e Mario Palmério. No futuro, muitas gerações ainda vão perceber sua música. E muitos, novamente, não irão saber que é de Tom. Isso é belíssimo! Uma influência espontânea. É impossível ser feliz sem Tom.”

  • Lô Borges, 72 anos, músico, cantor e compositor

“Numa época, Garota de Ipanema era a segunda canção mais executada no planeta. A primeira era uma canção dos Beatles (Yesterday), de autoria da dupla Lennon& McCartney. Perguntaram ao maestro soberano (Tom) o que ele achava disso. Ele, com seu costumeiro humor, respondeu: “pois é, mas eles são quatros né?”. A música do Tom é universal, atemporal, segue e seguirá influenciando compositores por todos os tempos, assim como a música dos Beatles. O tempo é uma abstração da mente.”

Ouça Tom Jobim