‘45 Rotações de Rock’, de Hervé Bourhis, traz história ilustrada de singles do rock

Livro do quadrinista francês conta histórias divertidas do gênero que balançou a cultura ocidental, do be-pop ao woo-hoo; ouça playlist

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Com braços e pernas enfaixados, em uma cama de hospital, Eugene Craddock - eternizado para sempre como Gene Vicent -, para competir com o recente estouro chamado Elvis Presley, compôs Be-Bop-A-Lula, em 1956. Duas páginas depois, Richard Hell - após ter fundado e abandonado uma das bandas mais influentes da história, o Television - se junta com os Voidoids e grava “um marco do punk rimbaudiano nova-iorquino”: Blank Generation

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Um pouco mais à frente, em 2005, um grupo de nerds “superdotados cheios de espinhas” se reúne em estúdio para lançar, por um selo próprio, o single que tem Fake Tales of San Francisco. Quase dez anos depois, o Arctic Monkeys é uma das bandas de rock mais populares do mundo.

Essas são apenas algumas histórias que o quadrinista francês Hervé Bourhis conta - e desenha - no recente 45 Rotações de Rock (Conrad), que fica no meio do caminho entre história do rock, memória afetiva e graphic novel, tudo isso com a dose certa de desprendimento e elegância.

Bourhis selecionou 45 singles lançados de 1951 a 2005 (a edição original do livro é de 2012): além das ilustrações das capas (como as que compõem esta página), ele conta histórias de gravação, bastidores, contexto da época, personagens e artistas malucos de canções que mudaram a trajetória do rock e, por que não, da cultura ocidental.

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Há um bônus - a 46.ª música - que ele escolheu, com a sanção do Hall da Fama do Rock, como a origem de tudo: Rocket 88, de Jackie Breston & His Delta Cats. No livro, Bourhis lembra de uma reunião do Hall da Fama em 1991, que deve ter durado vários dias, entre doses de Jack Daniel’s e xingamentos, em que os membros discutiam a origem da coisa toda. “Foi quando um cara magrinho levantou a mão do outro lado da mesa. “E o Rocket 88?” Com Ike Turner na guitarra. É um boogie nervoso. (...) No pior dos casos, se não é a primeira música de rock, é indubitavelmente o primeiro rock’n’roll sobre carros”, escreve o francês, não sem antes ressaltar que o autor da música é um “velho cafetão nojento” (ele teve um passado horroroso de violência conjugal com sua parceira Tina). 

“Escolhi músicas que têm uma história. O formato também é importante: 45 rotações, EP, minicassetes, singles em CD, MP3. Hoje, com o streaming da internet, o conceito de single praticamente não existe mais. Antes, era o formato que imperava. Nos anos 50 e 60 os jovens não compravam LPs, mas o single que ouviam no rádio, era mais barato”, diz o autor, em uma simpática troca de e-mails com o Estado.

A ordem alfabética da seleção permite um passeio descompromissado por diferentes épocas e estilos do rock, e o autor ainda teve a boa sacada de relacionar músicas menos conhecidas com os megassucessos.

Há os óbvios: Like a Rolling Stone, conta Bourhis, foi primeiro um manuscrito imenso de 20 páginas, passou pelas mãos do grande Paul Bloomfield e ajudou Bob Dylan - “já uma lenda” - a transformar o rock em algo mais inteligente. A gravação do único clipe do Joy Division - Love Will Tear Us Apart -, com Ian Curtis e sua guitarra Vox Phantom branca, inaugura os anos 1980 no livro. The Who também aparece com My Generation, de 1965, e a tirada óbvia: “‘Espero morrer antes de ficar velho’, cantavam Daltrey e Townshend, que em 2013 ainda interpretam essa música...”. Elvis, Rolling Stones, Pink Floyd, Creedence, Neil Young e outros monstros também estão lá.

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O livro vai além - explora as origens do rock e o rockabilly. Mystery Train, em que um jovem Elvis está “prestes a abalar o mundo ocidental”, Tutti Frutti, cuja letra original de Little Richard dizia “tutti frutti, good booty (bundão)”, Great Balls of Fire, antecipando a mania de Jerry Lee Lewis botar fogo no piano, e até Fujiyama Mama, o fantástico single de Wanda Jackson, a Rainha do Rockabilly, de 1957. 

Um parêntese: Wanda Jackson continua na ativa - em 2011, gravou The Party Ain’t Over, álbum de versões com a participação de Jack White. Que também está no 45 Rotações com Seven Nation Army, música do White Stripes que é daquelas que viraram hino e quase se descolam da imagem de seus criadores, ganhando vida própria nem sempre das mais respeitáveis.

O White Stripes compõe com o Libertines, o já citado Arctic Monkeys, o Blur e o Radiohead o grupo contemporâneo. Sucessos dos anos 1980 e 90, como os punks, os Stone Roses e os Beastie Boys completam a seleção. A grande ausência é o metal, que faria parte de outro projeto de Bourhis que não decolou.

O que destoa de tudo isso tem um nome e é tropical: Os Mutantes aparecem no livro com Panis Et Circenses - e o autor não hesita em cravar: “...um objeto musical não identificado, excitante, lisérgico e inovador, em algum lugar entre Zappa e The Mamas & The Papas. Os Beatles brasileiros? É um pouco mais do que isso, moço”.

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A relação de Bourhis com a música brasileira, explica, começou por causa do Pixies e o seu Bossanova, álbum de 1990. Depois, Kurt Cobain - instruído por um RP - teceu suas loas públicas a Arnaldo Baptista na visita do Nirvana ao Brasil, em 1993.

“Acho que o rock, como fenômeno artístico, social e, digamos, revolucionário, morreu em torno de 1980, com o Joy Division”, opina Bourhis, autor de 25 livros ilustrados de ficção, história e música. “Depois houve revivals, alguns grandes sobressaltos da boa música (Nirvana, Radiohead, White Stripes ou, hoje, Tame Impala ou o Parquet Courts). Mas não é mais um movimento transcendental. O rock, como o jazz, tornou-se uma música patrimonial que recicla o passado, mas, às vezes, é empolgante” - as 46 páginas ilustradas desse divertido e empolgante livro de sua lavra não o deixam mentir sozinho.

BOTE PRA OUVIR

Além dos singles, Bourhis cita no livros canções relacionadas aos grandes sucessos. Selecionamos sete delas que – também – valem a pena botar na vitrola (ou procurar no Spotify):

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‘Little Johnny Jewel’, do Televison (1975)

‘Los Angeles’, de Frank Black (1993)

‘Alex Chilton’, do The Replacements (1987)

‘Volunteers’, do Jefferson Airplane (1969)

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‘Slow Hands’, do Interpol (2004)

‘Blister In The Sun’, do Violent Femmes (1983)

‘Cut Your Hair’, do Pavement (1994)

45 ROTAÇÕES DE ROCK

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Autor: Hervé Bourhis

Tradutor: Diego de Kerchove

Editora: Conrad (48 págs., R$ 37,90)

Ouça uma playlist com 24 clássicos elencados por Bourhis no livro:

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