“Chic Show é um ponto de chegada e partida do povo preto, principalmente por ser referência para a criação da música preta no Brasil feita nos guetos das nossas casas”, destacou o rapper e músico Criolo, atração da edição de 50 anos do Chic Show, festival que marca a potência da cena black na cidade de São Paulo, um dos redutos do movimento negro e do cenário musical criado por artistas pretos no ano de 1970.
Este ano, em comemoração ao 50° aniversário de existência, o Chic Show vem com uma edição que celebra a história dos bailes de música negra surgidos em São Paulo. Para marcar essa celebração, o festival trará grandes artistas que protagonizam um papel importante na cena black. Além de Criolo, marcam presença no festival a norte-americana Lauryn Hill, rainha da black music, e o filho YG Marley. O evento ocorre neste sábado, 13, no Allianz Parque.
Ainda no line-up, Wyclef Jean, Jimmy “Bo” Horne, Mano Brown, Rael, Sandra de Sá e os DJs residentes que fizeram história na época: Luciano, Grandmaster Ney e Preto Faria.
Pensado como um ponto de encontro para a comunidade negra paulistana, os bailes idealizados por Luiz Alberto da Silva - o Luizão -, iniciaram ainda em 1968, quando ele já era conhecido por suas aparelhagens de som e pela sua participação especial em festas e bailes do bairro de Bonfiglioli, Butantã, Ferreira, Vila Madalena, Vila Sônia e na cidade de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.
O sucesso da animação criada por Luizão em eventos de casamento, aniversários e festas particulares foi tanta que logo o produtor criou o seu próprio empreendimento no mundo do show business. A partir dali, nascia o Chic Show, um baile pertencente aos finais de semana da noite paulistana, localizada na Rua Morato Coelho, bairro de Pinheiros, na zona oeste.
Até esse momento da história, a ideia era ampliar o que já era feito nos quintais das famílias negras, para locais ainda maiores. No entanto, a atividade acabou se tornando uma reunião fixa no calendário da comunidade negra da época, que procurava celebrar a sua cultura.
Antes de se estabelecer no salão de festas da Sociedade Esportiva Palmeiras, o já bem sucedido Chic Show se concentrou no salão da Cooperativa do Carvão, em Pinheiros, em 1968. Depois, entre 1971 e 1972, foi a vez do salão São Paulo Chic, além de locais como Clube Homs e Clube Alepo, nos Jardins, Mansão Azul, no Jabaquara e Guilherme Jorge, na Vila Carrão, conforme a dissertação de mestrado Chic Show e Zimbabwe e A Construção de Identidade nos Bailes Black Paulistanos, de João Batista de Jesus Félix.
Com a intenção de ascender o povo negro à condição de elite que estrutura qualquer sociedade, o Chic Show foi essencial tanto para gerar identificação do povo negro com suas raízes e heranças, como também se inspirou no movimento black power dos anos 60, presente nos Estados Unidos, que junto ao gênero musical groove e a artistas como James Brown, permitiu afirmar a estética negra no Brasil.
De Jorge Ben Jor a Earth Wind & Fire, o baile já havia se tornado um encontro obrigatório dos amantes da black music. No entanto, para manter viva a busca pela representatividade negra no mundo da música, Luizão precisou enfrentar um desafio imposto pela diretoria do Palmeiras: era preciso que pelo menos 10 mil pessoas comparecessem ao primeiro show na Sociedade Esportiva Palmeiras, caso contrário o local não seria mais alugado ao Chic Show, segundo João Batista.
Com Jorge Ben como atração principal, o primeiro baile alcançou as expectativas e foi além do público estabelecido pelo time, 16 mil foi o número de pessoas no evento. A partir dali, surgia uma nova aposta para os fãs de música. Logo em seguida, se confirmava a apresentação de artistas brasileiros como Djavan, Gilberto Gil e Tim Maia.
Além das apresentações brasileiras, o Chic Show também apostou em atrações internacionais, e trouxe, como primeira delas, o cantor James Brown, o Mr. Dynamite. O norte-americano subiu ao palco em 1978 e levou um mar de pessoas a curtir o som do Rei do Soul.
Chic Show no comando de cadeias produtivas negras
O professor de jornalismo da Universidade de São Paulo (USP), Dennis de Oliveira, explica que a existência de bailes como o Chic Show foi como um polo produtivo de artistas negros, uma vez que fomentou e estruturou a participação desse público na indústria fonográfica.
“A partir do momento em que artistas negros comandam a cadeia positiva musical, eles vão promover, organizar e lançar outros artistas negros. Por isso, a presença negra no comando da cadeia produtiva é tão necessária”, ressaltou Oliveira.
A representação no show levou à formação de uma equipe profissional que colocou artistas negros no centro da indústria. Para Criolo, se apresentar no Chic Show, no mesmo palco que outros artistas negros triunfaram, é crucial para ampliar ainda mais o alcance da música negra nos tempos atuais, assim como feito na década de 1970.
“É uma honra poder dividir o palco, principalmente com quem vem do rap, em um dos shows referência da cena black, já que o Chic Show foi fundamental para mostrar aos brasileiros a força da música feita nas periferias das nossas cidades”, disse o rapper.
Dennis de Oliveira também explica que a conjuntura econômica da época, marcada por um regime que impulsionava o esforço econômico e permitia a inserção de mulheres e homens negros no mercado de trabalho formal, foi um elemento crucial para o fortalecimento da identidade negra.
A onda de identificação levou ao lançamento do Movimento Negro Unificado ano de 1978, em meio a um contexto de efervescência política com greves operárias e movimentos estudantis.
“A cena black, além de ser um espaço de afirmação da identidade negra, foi precursora do hip-hop no Brasil, influenciando as primeiras músicas de rap, que tinham como base os gêneros musicais da época”, destacou o professor.
Os bailes promovidos pelo Chic Show desempenharam um protagonismo na consolidação da identidade e cultura negra, criando um ambiente construído por e dedicado à comunidade negra. A história traçada durante as noites de São Paulo reflete hoje em uma reedição marcante que levará, novamente, a mais uma performance de lendários da black music.
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