'A composição é meu alimento espiritual', diz Lô Borges, lançando novo disco

'Muito Além do Fim' coroa nova fase criativa do compositor com pegada roqueira

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Foto do author Danilo Casaletti

Quando Salomão Borges Filho, o Lô, nasceu em casa, em Belo Horizonte, Márcio, o Marcinho, tinha 6 anos de idade. Ao entrar no quarto e ver o sexto filho nos braços de dona Maricota, matriarca da família Borges, pediu à mãe: ‘Dá esse menino para mim?’. Os dois ainda teriam outros cinco irmãos. Esse gesto de amor rendeu uma ligação estreita entre eles, além de, ao longo dos anos, sonhos, girassóis, ventanias, estradas e heróis na música brasileira.

Lô retoma antigas parcerias, com o irmão Márcio e Paulo Moska, esse na canção que dá nome ao título Foto: Rodrigo Brasil

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Os parceiros em composições de sucesso como Clube da Esquina n.º 2, com Milton Nascimento, Para Lennon & McCartney, com Fernando Brant, e Um Girassol da Cor de Seu Cabelo e Tudo O Que Você Podia Ser, voltaram a compor juntos depois de nove anos. O resultado está no álbum Muito Além do Fim, lançado nesta sexta-feira, 5, só com músicas inéditas. A última vez que as linhas melódicas de Lô e a poesia de Márcio haviam se juntado foi em 2011, no álbum Horizonte Vertical. Lô acha natural que em um momento de afetos separados como o mundo passa atualmente a escolha para dividir o álbum tenha sido o irmão – na última década, ele fez músicas com Tom Zé, Arnaldo Antunes, Chico Amaral, Nando Reis, Samuel Rosa, entre outros.  “Já estava na hora de voltar a compor com o Marcinho. Foi ele que me incentivou a aprender música, quando, ainda menino, eu ficava tentando tocar no violão as músicas do disco Chega de Saudade, do João Gilberto. É meu parceiro mais importante. Ele consegue ser duro sem perder a ternura”, diz. Lô ainda aponta, além de Márcio, Milton Nascimento e o pianista Marílton Borges, também seu irmão, como seus grandes mestres e incentivadores.  Por conta da pandemia, os irmãos não puderam se encontrar para escrever as canções como faziam no passado. Lô mandava todas as melodias por telefone. Márcio respondia com as letras. “Chegaram prontinhas. Não precisei mudar uma vírgula. Nossa sintonia é cósmica”, afirma Lô.Muito Além do Fim sucede a Dínamo, lançado no ano passado, que trouxe parcerias com o compositor piauiense Makely Ka. Lô, aos 69 anos, comemora a fase criativa e afirma que escrever melodias faz parte dele. “A composição é meu alimento espiritual. É o momento em que a vida faz mais sentido para mim. Compor é amar. Se eu não componho, sinto que falta algo. Meu pai me falava que o dom a gente ganha, nasce com ele. Mas trabalhar esse dom é uma virtude. Uma vez fiquei um ano sem compor, me achei o bom, que voltaria quando quisesse. Quando quis voltar, foi uma dificuldade. A gente tem que manter a fé cega e a faca amolada. É um ato cotidiano”, diz. A faixa que dá nome ao disco tem como convidado o carioca Paulinho Moska. A letra prevê o “cessamento desse abalo sísmico” e enxerga um final feliz. Em Canções de Primavera, os versos sugerem que é preciso usar do amor para espantar a ignorância. Das dez canções do álbum, duas estavam havia tempos guardadas nos cadernos de música de Lô. Terra de Gado é de 1999, mas continua atual. “Que mágica tudo é gado/ Terra boa de ser ninguém/ Que mágica tudo é gado/ Terra boa de ser/ Ou vai morrer nessa praia/ E achar que tá tudo bem”, diz uma das estrofes.Piano Cigano é de 1978 e ficou de fora do disco A Via Láctea, que Lô lançou no ano seguinte. “Ela é mais pujante e o álbum era mais harmônico. Eu enchi o saco da minha mãe compondo essa música. O piano da casa ficava na parede que fazia divisa com a do quarto de descanso dela. Ela dizia “essa música nunca vai ficar pronta? Não aguento mais. Toca o Girassol para mim”, conta, entre risos. No álbum, Lô, que toca piano e violões, é acompanhado pelos músicos Henrique Matheus (guitarras), Thiago Corrêa (contrabaixo) e Robinson Matos (bateria). O trabalho foi feito quase toda a distância. O ajuste ficou por conta da “pegada” que Lô queria dar ao disco.  “Muitas músicas eles me mandaram com arranjos mais leves. Eu falei: vamos tirar o terno e a gravata, botar uma bermuda, relaxar. Tocar mais pesado. Se esse disco é mais ‘guitarrado’, é por escolha minha. Não quis nada comportado”, conta. A cara mais roqueira, ou “vigorosa”, como Lô prefere chamar, é para diferenciar dos discos mais harmônicos que o compositor fez nos últimos anos, com estética mais ligada ao lendário disco Clube da Esquina, que ele, aos 19 anos, assinou com Milton em 1972. 

Primeiro disco

Lô, Márcio, Milton Nascimento e inspiração remetem, invariavelmente, ao primeiro disco solo do compositor, de 1972, conhecido como O Disco do Tênis, que, em 2022, vai completar 50 anos.  Após ser acolhido por Milton, que bateu o pé na gravadora para que Lô, que ele havia levado de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, assinasse a coautoria do disco Clube da Esquina, ele foi contratado para fazer seu álbum de estreia. Empolgado, Lô aceitou o compromisso, mas não tinha uma música sequer pronta. “Pirei. Fiz um disco todo experimental, psicodélico. Não tinha nenhum Trem Azul. Tinha música de 30 segundos, outras de 5 minutos. Fazia o que vinha na cabeça. E o que vinha era muita loucura. Fazia a melodia pela manhã, à tarde o Marcinho colocava a letra e à noite eu gravava”, conta ainda o compositor. De hábitos diurnos, Lô diz que prefere compor pela manhã. À tarde, ouve outros artistas. Dia desses, diz, pôs para rodar Araçá Azul, disco experimental de Caetano Veloso. Entre os outros preferidos, estão Tom Jobim e a banda britânica de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer. “Gosto de música. Não só de compor, mas de ouvir também”, acrescenta.

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