A ‘favela fake’ de Anitta: cantora fatura ao vender imagem confusa do Brasil ao mundo. Leia análise

Com ‘A Favela Love Story’ e, principalmente, ‘Funk Rave’, cantora teve oportunidade única de exportar mais da cultura brasileira. Porém, ela distorce noções geográficas, linguísticas, raciais e de gênero ao priorizar sempre sua necessidade comercial

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Foto do author Sabrina Legramandi
Atualização:

Os olhares se voltam para Anitta sempre que a cantora brasileira aparece em alguma das tantas premiações internacionais em que esteve envolvida recentemente. Na última terça, 12, a artista compareceu pela segunda vez ao MTV VMA e desbancou Shakira, Karol G e Bad Bunny na categoria Melhor Videoclipe Latino por Funk Rave.

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Anitta vive o auge da carreira internacional pós-Envolver, música que a fez ser a primeira brasileira a vencer o American Music Awards e a primeira artista latina em mais de 50 anos na categoria Artista Revelação do Ano no Grammy Awards. Cada passo é milimetricamente calculado e imaculado pelos fãs, que blindam a cantora de qualquer questionamento, mesmo que construtivo.

É inegável que a cantora traçou um caminho único para a música brasileira no exterior. O problema, porém, é quando esse caminho é traçado apenas por uma única voz.

Anitta venceu o prêmio de Melhor Videoclipe Latino no MTV VMA por 'Funk Rave'. Foto: Evan Agostini/Invision/AP

Criada em Honório Gurgel, bairro do subúrbio carioca rodeado por favelas, Anitta prometeu uma “declaração de amor à favela e ao funk” com a trilogia Funk Generation: A Favela Love Story, da qual Funk Rave faz parte. Sua relação com o tema, porém, se mostrou confusa e conveniente.

Com A Favela Love Story, a cantora teve uma oportunidade única de exportar mais da cultura brasileira para o espaço que conquistou internacionalmente. Ela arriscou passos no funk – mesmo com pés ainda fincados no pop –, mas elementos essenciais ficaram de fora.

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Nas três músicas, a artista escolhe priorizar o inglês e, principalmente, o espanhol. O português fica limitado a duas ou três frases em cada canção. É um espaço seguro: os “gringos” estão acostumados a ouvir em espanhol e alguns até pensam que essa é a língua oficial de todos os países latinos – prova disso é que, mesmo espanhola, Rosalía também disputou a categoria de Melhor Videoclipe Latino.

Anitta sabe “jogar o jogo deles”, mas precisa entender quando é hora de arriscar passos a mais, principalmente em uma trilogia dedicada ao funk. Nos três clipes, elementos fortes das favelas brasileiras realmente estiveram lá, talvez pela importante contribuição do codiretor Ricardo Souza, mas o cerne e a intenção do projeto acabaram bagunçados.

A artista pouco explora a alegria das favelas – que esteve com o gênero desde a essência – com cores pesadas e frias, além de criar argumentos confusos para os vídeos. Em Used To Be, por exemplo, Anitta é sequestrada por um grupo de homens armados que lembram muito integrantes de cartéis colombianos.

Desde o início da carreira, a artista se coloca em um espaço de libertação do corpo feminino com debates sobre consentimento, escolha e o lugar da mulher em gêneros como o funk. Anitta, porém, se perde em um feminismo raso e individualizante.

Prova é o clipe estrela do VMA: Funk Rave. A cantora tem sucesso ao usar seu trabalho para “inverter papéis”: os homens se tornam um “objeto de desejo”, papel desde sempre ocupado por mulheres. Mas o problema é quando a grande maioria é composta por homens negros – corpos que também carregam esse estereótipo há séculos.

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A artista já foi acusada em outros trabalhos de “afroconveniência”. Nos vídeos de Muito Calor e Vai Malandra, por exemplo, a cantora usa tranças ou cabelo crespo e a pele mais escura, enquanto, em premiações internacionais, aparece com os cabelos lisos e a pele mais clara. Alguns militantes antirracistas argumentam que Anitta usa elementos da cultura negra e da periferia apenas quando é lucrativo.

Com uma declaração de amor confusa e em espanhol ao funk e à favela, Anitta não canta para o Brasil. O lugar que a cantora conquista internacionalmente merece mais do que duas ou três frases em português.

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