‘A música é uma arte tão rica, evoca memórias, marca sua vida’, diz Sérgio Martins, novo colunista

Com mais de 30 anos de carreira, o jornalista vai escrever quinzenalmente no ‘Estadão’ sobre histórias da música; texto de estreia será publicado nesta segunda, 8

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Foto do author Danilo Casaletti

O jornalista Sérgio Martins é daqueles repórteres que não desperdiçam uma entrevista. Com 34 anos de carreira - quase todos dedicados à música - ele nunca sai de uma conversa com um artista sem algo que lhe possa servir não apenas para escrever um texto, mas para ficar permanentemente nele.

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Foi assim quando ele, em 2005, conversou com o temido maestro e pianista argentino Daniel Barenboim. Martins ouviu dele de que só um solução não-militar poderia colocar fim ao conflito entre Israel e os povos árabes.

Há outros exemplos na lista de entrevistas preferidas de Martins: o astro Mick Jagger (foi a primeira e única vez que ele falou a um jornalista sobre seu filho brasileiro, Lucas Jagger), o guitarrista Keith Richards (para quem sugeriu fazer um disco tocando blues), Jimmy Page (quando ambos derramaram lágrimas ao falarem sobre Burt Bacharach) e Adriana Calcanhotto (com quem conversou sobre o Império Romano).

“Mais do que aulas musicais, esses entrevistados me deram aula de vida. Sobretudo o Barenboim, um dos últimos maestros tiranos. Uma figura controversa, mas fantástica”, diz.

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O jornalista Sérgio Martins estreia coluna no 'Estadão' Foto: Leo Martins/Estadão

Martins, que também é professor de jornalismo cultural, sabe que a função que exerce e ensina vai muito além de gostos pessoais. “O jornalista musical precisa pegar o disco da Céu, por exemplo, e explicar para o leitor por que ele deve ouvi-lo, o que tem nesse disco que mereça sua atenção. Ao mesmo tempo, ele tem que pegar um disco do Jorge & Mateus e explicar por que a música desses caras toca tanto as pessoas”, comenta.

“Eu não iria, por conta própria, a um show do Wesley Safadão, mas eu assisti a seis shows dele para poder traduzir para o leitor o fenômeno que ele representa”, afirma Martins para explicar como o jornalista musical deve deixar de lado as preferências pessoais para atender às necessidades dos leitores.

Sérgio Martins estreia nesta segunda, 8, como colunista do Estadão - no impresso, os textos serão publicados às terças-feiras. Em sua primeira coluna, ele aborda a trajetória do cantor e compositor americano Brian Wilson, criador dos principais sucessos dos Beach Boys. Brian, de 82 anos, diagnosticado com demência, é tema de dois documentários - The Beach Boys, do cineasta Frank Marshall e do documentarista Thom Zimny, e Long Promised Road, de Brent Wilson.

Martins devorou as duas produções e juntou todas as informações ao seu vasto conhecimento na área para traçar um interessante e comovente perfil de Brian.

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“Quero falar de artistas do passado ou contemporâneos, mas sempre com uma visão bastante pessoal. A música é uma arte tão rica, evoca memórias, marca sua vida.”, diz o jornalista que faz questão de afirmar que o Caderno 2 do Estadão fez parte de sua formação como jornalista.

Martins que já tem contribuído como colaborador do Estadão, vai, agora em seu espaço fixo, “contar histórias”, como ele prefere definir sua nova tarefa.

“Algumas delas serão baseadas em fatos que ocorreram comigo”, exemplifica o jornalista que atualmente é editor-sênior da revista Billboard Brasil. Uma dessas histórias, guardada para uma das próximas colunas, será sua relação de admiração com a cantora Clara Nunes (1942-1983), que começou ainda na infância, em um fato curioso que envolve até um primo.

Martins começou sua carreira no extinto (e polêmico) jornal Notícias Populares. Se era difícil conviver com a cobertura policial - ou assistir a uma sessão de exorcismo comandada por Zé Do Caixão no Cemitério da Consolação - ele e outros colegas de redação (ela cita Paulo Cavalcanti e Ivan Finotti) buscaram, em vez de extrair sangue das páginas, como se brincava no jargão popular, procurar por notas musicais. Para isso, percorriam as ruas de São Paulo a fim de observar onde e qual música era possível se ouvir nelas, em uma época em que não era o TikTok que ditava moda.

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De ouvidos bem abertos, Martins, apesar de ter sido contratado como colunista de hip hop, viu surgir o chamado pagode anos 90, o sertanejo pop e testemunhou a ascensão da axé music - ele estava no quase trágico show, porque sacudiu tudo, de Daniela Mercury no vão livre do Masp, em 1992. Um ano antes, foi a Salvador assistir ao show da Banda Mel.

Por ter vivido tudo de perto, ele consegue cravar que Pense em Mim, da dupla Leandro e Leonardo, teve um estouro maior do que É o Amor, de Zezé Di Camargo e Luciano, embora essa última, Martins avalia, tenha se tornado uma canção mais duradora, sobretudo por conta da regravação de Maria Bethânia. Papo de jornalista que gosta de deixar tudo em seu devido lugar.

Daniel Barenboim em São Paulo, em 2005; o maestro argentino marcou a carreira de jornalista de Sérgio Martins, que escreve sobre vários tipos de música Foto: Sergio Castro/Estadão

“Desenvolvi um olhar mais amplo para os gêneros. Detectei pequenos fenômenos e levei para os leitores, justamente para ampliar. Como diz aquela música dos Racionais: ‘alcançou os primeiros lugares, super star no Notícias Populares’”, diz.

Do Notícias Populares, Martins foi para a revista Bizz, publicada pela editora Abril, um sucesso nos anos 1980 e 1990, para escrever sobre reggae. Por lá, um novo desafio: buscar a novidade e o diferente em um momento em que a MTV Brasil conquistava popularidade e a preferência dos artistas e dos assessores das gravadoras.

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Foi essencial, como é até os dias de hoje, usar a criatividade. À frente da seção de lançamentos, convidou os músicos Nando Reis e Charles Gavin a escreverem textos. Ou negociar durante um ano para que o grupo Racionais MC’s virassem uma matéria de capa. “Eles diziam que éramos da editora que fazia a Playboy e, portanto, éramos ‘boys’. E queriam grana”, lembra Martins.

Depois de uma breve passagem pela revista Época, Martins ficou 20 anos e 8 meses na Veja. Foi um período de grande visibilidade. Nela, além de reportagens, exerceu a função de crítico de música.

“Você pode analisar um disco do Jão, por exemplo, utilizando critérios pré-estabelecidos. Ou você pode - e é o que eu mais gosto de fazer - ir in loco para entender por que o Jão é desse ou daquele jeito. Que tipo de influências esses caras absorveram?”, diz.

“Hoje em dia, o artista estabeleceu um contato direto com o público. E se comunica diretamente com os fãs. Antigamente, uma crítica podia acabar com um álbum. Atualmente, esse tipo de texto não impacta mais o leitor”, analisa.

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Martins, embora ache a figura do crítico importantíssima, não acredita muito na versão do profissional feroz, como foram José Ramos Tinhorão, Tárik de Souza, Carlos Calado e Luís Antônio Giron, para ficar em exemplos de jornalistas brasileiros.

“Essa coisa do crítico malvado faz parte de um contexto histórico, que analisava as canções de uma maneira mais intelectualizada. Pela minha visão, isso tem muito a ver com a criação da revista Rolling Stone, com críticos que vinham das universidades e falavam ‘não escutem Led Zeppelin, não escutem Bob Dylan”, diz.

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