A Virada que não virou: evento fica mais seguro, mas perde sentido com madrugada vazia; leia balanço

Único espaço realmente 24 horas, Anhangabaú teve debandada na madrugada. Outros palcos fecharam no fim da noite e só voltaram de manhã. Faz sentido uma Virada Cultural que vai para casa dormir e volta? Veja resumo

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Foto do author Julio Maria
Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:


São Paulo teve, em 2023, uma Virada Cultural que não virou. O único espaço que funcionou realmente por 24 horas, no Anhangabaú, ficou quase vazio durante a madrugada. Os outros palcos, conforme a programação, fecharam no fim da noite de sábado, 27, e retornaram só na manhã de domingo, 28. Na prática, é uma virada que vai para casa dormir e volta.

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Não que tenham faltado bons shows na noite e na manhã. A catarse do BaianaSystem, a aula de Alceu Valença e uma homenagem completa a Rita Lee estiveram entre os destaques. Gloria Groove e Anavitória enfrentaram e venceram obstáculos (problemas no som no Anhangabaú e chuva no Butantã, respectivamente).

Não é questão artística. Nem é um problema que surgiu em 2023, é bom deixar claro. A edição deste ano tentou resolver a enorme dificuldade da insegurança no Centro, vide as cenas de apocalipse em 2022. A ideia de reocupar e ressignificar o centro histórico a partir de espetáculos culturais teve que ser adaptada.

O viaduto do Chá, a Praça Ramos de Azevedo e as escadarias da Líbero Badaró estavam cercados com tapumes, isolando o Anhangabaú do entorno, como se fosse uma fatia separada da cidade. Para evitar os arrastões, a festa foi feita em um cercado, resumiu um fã.

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O esquema de segurança inédito foi uma “reintegração de posse” no Centro. No último show, já na noite de domingo, Iza parou de cantar por três minutos por causa de uma briga na plateia. Uma pessoa foi retirada e o show seguiu, sem apagar a impressão de um fim de semana bem mais suave que dos anos passados.

O público entrou no sábado pelas grades e pela revista e assistiu feliz a dois ótimos shows de Gloria Groove e do BaianaSystem. A plateia estava cheia, mas não lotada. Assim que o grupo baiano parou de tocar, veio a retirada em massa. O Anhangabaú esvaziou, e só começou a encher ao longo da homenagem a Rita Lee, às 11h30 do domingo.

A debandada é compreensível pelo receio das pessoas em viver mais um ano de apocalipse - que não aconteceu em 2023. Mas a impressão é que a própria programação buscou esse movimento, vide o abismo de popularidade entre as duas primeiras atrações e as seguintes, bem menos populares, Josyara e Dread Mar-I.

Público esvazia o Vale do Anhangabaú após primeiros shows da madrugada durante a Virada Cultural 2023. Foto: Taba Benedicto/ Estadão


Outras onze arenas pela cidade tiveram fartura de boas atrações. O sábado teve Carlinhos Brown, Raça Negra, Nação Zumbi, Livinho e mais. No domingo, Djonga, Tierry, Léo Santana, MC Caveirinha, Emicida, Zé Vaqueiro, Cabelinho, Marina Sena e outros. Bela curadoria, de cabeça aberta. A Virada teve um palco em Heliópolis pela primeira vez.

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Nestes locais, a debandada era prevista, com um buraco na programação da madrugada. A impressão é de uma Virada pronta para ser repensada. Não falta, no palco e na plateia, energia para a tarefa. Veja sete momentos marcantes:

1 - A chegada segura

Nunca houve um esquema de segurança tão bem montado no evento como em 2023. As pessoas que chegaram ao Anhangabaú caminhavam em zigue-zague por corredores separados por grandes. Na entrada, precisavam abrir bolsas, mostrar o que levam nos bolsos e passar por sensores. Na pista, cabines policiais elevadas em pontos estratégicos.

A medida permitiu ao policiamento perceber o que acontecia do alto. Como a estratégia dos bandidos é agir criando tumultos seguidos de arrastões, isso inibe ações criminosas. Uma terceira medida, também inédita no Anhangabaú, foi um corredor de segurança central. Ele permite ação rápida e infiltração da polícia na plateia, o que não houve em 2022.

Leia mais sobre o esquema de policiamento inédito.

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2 - A pane e a volta de Gloria Groove

Gloria Groove abriu o espaço principal com problemas no som. “Quem tirou a Virada Cultural da tomada? Virada, me ajuda, deixa eu voltar!”, disse a cantora assim que percebeu que ninguém mais ouvia som nenhum. Depois, o som foi reestabelecido, mas parou de novo. A pane prejudicou a fluência de um show que começou em alta temperatura.

Ultravigiada por um drone da PM, Gloria, mesmo com os problemas iniciais de som, fez um show em paz. Gloria conseguiu reunir um público intenso e participativo para ver seus quase 1h30 de show, o mesmo que ela faz em festivais privados e pagos, como o Lollapalooza. Ali estava tudo: seus hits, seus telões, seus dançarinos e dançarinas.

Leia mais sobre o show de Gloria Groove.

3 - A celebração do BaianaSystem

O acesso à entrada do Anhangabaú travou assim que o grupo BaianaSystem surgiu no palco, pouco depois das 20h30 do sábado. As filas que levavam à revista pararam e o clima ficou tenso. Russo Passapusso, líder do BaianaSystem, pediu que abrissem uma roda de samba. Depois, voltou a falar da guitarra baiana (o projeto do grupo é torna-la planetária).

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O Baiana é um fenômeno não pop, mas capaz de arrastar uma multidão. E ela estava lá, cantando com o vocalista Passapusso. Havia muita festa na plateia, muita curtição. As catarses comuns nos shows do grupo foram menos radicais, mas o envolvimento da plateia era intenso. Descomprimindo, o som mais conhecido, se tornou uma celebração.

Leia mais sobre o show do BaianaSystem.

Show do grupo Baiana System durante a Virada Cultural 2023 no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. FOTO TABA BENEDICTO / ESTADAO Foto: TABA BENEDICTO

4 - A debandada e a madrugada

Logo depois do show do BaianaSystem, começou a retirada em massa. Ainda havia mais shows no espaço principal e em outros palcos menores no Anhangabaú. O cantor argentino Dread Mar-I e a brasileira Luedji Luna, atrações que vieram em seguida, cantaram para um público restrito às proximidades do palco. Nas zonas mais distantes, era possível perceber policiais conversando por volta das 2h30 – no início do evento, eles estavam tensos e de cara fechada.

Até a revista na entrada foi se tornando mais condescendente com a diminuição do público e deixou de lado o detector de metais. O número de viaturas também caiu pela metade. Para se aproximar do palco no show de Dread Mar-I, não era necessário empurrar ninguém. Dava para chegar sem aperto e com tranquilidade.

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Leia mais sobre a madrugada no Anhangabaú.

Público esvazia o Vale do Anhangabaú após primeiros shows da madrugada durante a Virada Cultural 2023. FOTO TABA BENEDICTO / ESTADAO Foto: TABA BENEDICTO


5 - A volta com homenagem a Rita

O espetáculo uniu as três faces da cantora. A Rita dos Mutantes, do Tutti Frutti e de Roberto de Carvalho estiveram no show pensado pelo filho Beto Lee o fim da manhã de domingo no Anhangabaú. Foram convidadas as cantoras Manu Gavassi, Débora Reis e Paula Lima. Ando Meio Desligado abriu a fase Mutantes, que Beto chamou de “power trio”.

Beto falou do Tutti Frutti, a banda que Rita integrou nos anos 70. Lembrou que o baixista Lee Marcucci, ex integrante do grupo, era pai de muitos baixistas no país, e começou Jardins da Babilônia. Ovelha Negra fez as pessoas ergueram as mãos e se emocionarem de verdade. A última canção mostrou a força de Rita pop: Lança Perfume.

Leia mais sobre o show de Rita Lee

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Show em homenagem a Rita Lee, com participação de seu filho Beto Lee e Debora Reis. Na foto a cantora Paula Lima. FOTO TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Foto: Tiago Queiroz

6 - A chuva pela cidade

Na tarde cinzenta de chuva fina do domingo, o palco Butantã estava tranquilo para receber a dupla Anavitória. As pessoas se concentraram mais à frente da pista, com muitos espaços vazios ao fundo. A revista era feita de forma rápida, com um certo desleixo. Mas havia muitos policiais no entorno.

A Arena Butantã funcionou com dois palcos alternados, montados frente a frente. Foram espaços bem menores do que o do Vale do Anhangabaú. Anavitória faz uma música à prova de revoltas. Elas cantam com fofura, fazem canções doces e envolvem sua plateia com um clima afetuoso. Quando cantavam Aí, Amor a chuva começou, mas não esfriou o show.

7 - O final com Alceu e Iza

Alceu Valença no Anhangabaú sob chuva na Virada Cultural de 2023 FOTO TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Foto: Tiago Queiroz

No penúltimo show do Anhangabaú, Alceu Valença venceu o desafio de cantar sob a chuva gelada da tarde de domingo e fez um belo show. Diante de uma plateia usando capas de chuva, o pernambucano mostrou a diferença que faz um músico experiente. Mesmo em condição adversa, com poucas pessoas aglomeradas na pista, ele conseguiu trazer os fãs para perto e fazer muitos deles esquecer o frio produzido pela roupa encharcada.

Alceu tem a seu favor uma coleção de canções que agem por si. Táxi Lunar, La Belle De Jour, Como Dois Animais. Ao final, usou de um recurso que sempre funciona em seus shows. Disse que não seria hipócrita, que já estava combinado que sairia do palco e voltaria para o bis assim que ouvisse a plateia clamando seu nome. E foi assim. Ao voltar sob ovação, cantou Morena Tropicana e deixou o palco.

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Em seguida veio a última estrela do palco principal. Iza fez um show vibrante com seus principais sucessos e que levantou o público apesar das falhas de som que voltaram a se repetir neste domingo, e da chuva que espantou parte do público.

A cantora pediu ajuda do público para cantar por causa de uma gripe. “Pensem em uma pessoa gripada, mas com fogo no rabo para cantar para vocês. Cancelar não era uma opção. São Paulo, estou aqui por vocês. Se não esse fosse esse amor, eu não ia conseguir”. A plateia foi mais numerosa, com aglomerações perto do palco. Mesmo assim era possível perceber espaços vazios no meio da plateia. O show esteve longe da lotação do palco principal.

ÚLTIMO DIA DE VIRADA CULTURAL NO VALE DO ANHANGABAU. SHOW DA CANTORA IZA FOTO TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Foto: Tiago Queiroz
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