O artista e dissidente chinês Ai Weiwei, conhecido defensor dos direitos humanos, estreia nesta terça-feira (22), em Roma, com a apresentação da ópera Turandot, de Giacomo Puccini, marcada pelo derramamento de sangue e o despotismo.
A nova abordagem geopolítica da ópera inacabada de Puccini, sobre a morte, o ódio e a vingança, com a maestrina ucraniana Oksana Lyniv no comando da orquestra, está mais atual do que nunca.
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Desde as sinistras cinco notas iniciais, o público é inserido em um mundo incerto e violento.
Ai Weiwei, de 64 anos, famoso por suas instalações, suas gigantescas esculturas e impactantes fotografias que denunciam torturas e atrocidades, não dá trégua ao espectador.
A presença no púlpito da ucraniana Lyniv também nos lembra que a guerra e o sofrimento assombram a Europa neste momento.
"É inimaginável que estejamos no meio de um conflito", reconheceu Ai Weiwei em uma conversa com jornalistas na semana passada, ao falar da invasão russa da Ucrânia.
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"É que, neste momento, há gente que está no meio de uma batalha na Europa. Mais de três milhões de ucranianos que fugiram devido à guerra provocada pela Rússia", lamentou.
A ameaça onipresente
A ópera sombria de Puccini conta a história de uma cruel princesa chinesa que exige que seus pretendentes respondam a três enigmas se quiserem se casar com ela. Caso contrário, eles morrerão.
Na versão concebida pelo artista chinês aparecem refugiados, vítimas de sacrifícios, que conectam o espectador com o clima ameaçador dos dias atuais.
Nos bastidores, sobre as ruínas de uma cidade futurista, Ai Weiwei projeta imagens angustiantes sobre notícias recentes: trabalhadores de hospitais com máscaras e cobertos por trajes de proteção, refugiados atravessando rios gélidos, policiais da tropa de choque enfrentando manifestantes de Hong Kong ou imigrantes cercados por cercas de arame farpado.
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No terceiro ato, enquanto o coral canta "estamos perdidos", as imagens da repressão, os cacetetes e o gás lacrimogênio invadem a tela e os corações.
Para Lyniv, de 44 anos, o forte simbolismo visual de Ai Weiwei se encaixa perfeitamente com as intenções de Puccini.
"Desde os primeiros compassos, é possível sentir o caráter apocalíptico", opina Lyniv sobre a obra que Puccini não pôde concluir devido à sua morte em 1924.
Lyniv, que entrou para a história em janeiro ao se tornar a primeira mulher a cargo de um teatro lírico da Itália, o de Bolonha, é oriunda de Brody, cerca de 100 quilômetros a leste de Lviv.
A maestrina contou que vários integrantes da orquestra, do corpo de dança e do coral de Odessa estão defendendo a cidade atacada pelas tropas russas.
Desde os primeiros compassos, é possível sentir o caráter apocalíptico
Oksana Lyniv, Maestrina ucraniana
Sem um "final feliz", como pretendia Franco Alfano, contemporâneo de Puccini, a Turandot de Ai Weiwei deixa o espectador livre para decidir o epílogo e escolher o próprio destino.
Ela questiona "qual é o papel que você quer ter nesta sociedade": o da tirana princesa Turandot, o do príncipe Calaf, disposto a correr riscos, ou o de Liu, que se sacrifica por amor, resume Lyniv.