Alceu Valença: 'O artista não pode perder sua rebeldia infantil'

Músico, homenageado do ano pela UBC, traz o show do álbum ‘Valencianas II’ para São Paulo

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Por Danilo Casaletti

Na estrada desde o início dos anos 1970, Alceu Valença, 76 anos, foi o homenageado do prêmio da UBC (União Brasileira de Compositores) que ocorreu na noite desta terça-feira, dia 8, no Rio de Janeiro. A festa teve a participação de nomes como Ney Matogrosso, que cantou a música Cheiro de Saudade, de Duda Beat, pernambucana como o homenageado, que deu voz a La Belle de Jour, e da banda Bala Desejo com o sucesso Morena Tropicana.

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Alceu estará em São Paulo na próxima sexta-feira, dia 11, quando apresenta no Espaço Unimed o lançamento do projeto Valencianas II, ao lado da Orquestra Ouro Preto, regida pelo maestro maestro Rodrigo Toffolo. Gravado em Portugal, na Casa da Música, no Porto, o álbum foi lançado recentemente em CD e DVD, doze anos após seu primeiro volume.

Valencianas II tem em seu repertório músicas como Tomara, Borboleta, Táxi Lunar, Na Primeira Manhã e Solidão. Parte de uma obra que, segundo a UBC, já soma 311 composições registradas - feitas,, segundo Alceu, sempre em surtos criativos e com alta dose de rebeldia.


Alceu Valença com a Orquestra Ouro Preto, sob regência de Rodrigo Toffolo Foto: Iris Zanetti

Em conversa com o Estadão, Alceu lembrou de seu difícil começo de carreira e falou sobre sua música, a qual classifica como universal. “Ela é brasileira (não apenas nordestina), da mesma maneira como a feita por Zeca Pagodinho, Caetano Veloso ou Chico Buarque”, diz.

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Você é o homenageado do ano pela UBC. Partindo do ofício do compositor, você faz parte de uma geração que deu as caras também como cantores e músicos. Como foi para buscar seu espaço?

Difícil. Eu me lembro que conheci Geraldo Azevedo, que é de Pernambuco, no Rio de Janeiro. Começamos a tentar aparecer. O pessoal do Rio dizia que a gente deveria ir para São Paulo. O pessoal de São Paulo dizia que a gente deveria voltar para o Rio. Até que um dia um produtor nos viu tocando violão e convenceu a diretoria da gravadora para que a gente pudesse gravar um disco (Quadrafônico - Alceu Valença & Geraldo Azevedo, de 1972). Gravamos em São Paulo, um clima maravilhoso no estúdio. Não aconteceu nada! Participamos do Festival Internacional da Canção e não deu em nada novamente. Depois, um cara que trabalhava na TV Globo, viu um show meu em Recife. Foi ele que falou com o João Araújo (diretor da Som Livre à época) e eu fiz meu primeiro disco, o Molhado de Suor (1974), com arranjos incríveis, cordas. Não aconteceu nada de novo. Logo em seguida, participo do Festival Abertura com Vou Danado Pra Catende. Ninguém sabia classificar minha música. Aí criaram um “prêmio pesquisa”. A música não fez sucesso, mas minha figura ficou marcada. Minhas canções, de fato, eram complicadas de colocar nas rádios.

O sucesso com o público chegou com o disco Coração Bobo (1980). O que mudou? Você encontrou o publicou ou foi o público que entendeu teu trabalho?

Nunca e nem ninguém me mandou o que eu tenho que fazer. Nem meus professores - fui expulso de vários colégios. Nunca gostei da imposição. Por exemplo: eu não queria aprender inglês, mas francês eu aprendi. O artista não pode perder sua rebeldia infantil. Não é quebrar coisas por aí. Porém, nenhum produtor diz o que eu tenho que fazer. Ouço os produtores - um deles, que é genial, é Guto Graça Mello, com quem fiz dois discos - mas sempre faço do meu jeito. Não me venham com o papo de “grave essa música que será sucesso”.



Você nunca se afastou muito da música nordestina, do som folk de sua guitarra, não?

Crio o que está no HD da minha memória, sobretudo da minha memória infantil. Sou de uma cidade chamada São Bento do Una (no sertão pernambucano). Minha memória está no canto dos vaqueiros das caatingas, está na feira de São Bento onde você encontrava o sanfoneiro de oito baixos, o violeiro fazendo desafio, a literatura de cordel. Pelo rádio, chegava música americana, sambas - meu avô e meu tio tocavam sambas - Noel Rosa também entrou na minha cabeça, tocava música portuguesa. No Recife, fui morar em uma rua que era a passarela dos blocos de frevo, de maracatu, que vem da cultura africana e dos caboclinhos. Mas eu não gosto muito dessas classificações. Como é a música nordestina? Não sei. Quando você toca uma música de Tom Jobim, ela é universal. Coração Bobo, então, também é universal. Minha música é brasileira, da mesma maneira como a feita por Zeca Pagodinho, Caetano Veloso ou Chico Buarque.

É preciso ressaltar sua excelente performance vocal, tanto no Valencianas II quanto nos discos de voz e violão que lançou recentemente (foram quatro, entre 2021 e 2022).

Canto no mesmo tom (em que as músicas foram lançadas originalmente)! Não sei explicar. Não fumo, não bebo. Talvez seja isso.

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Sobre inspirações. Em Valencianas II há o sucesso Tomara (de 1992), música que clama por uma nação solidária e pacífica. Permanece atual...

Uma nação solidária envolve a falta de preconceito e também um Estado provedor, no qual você tenha saúde, educação e moradia. É preciso construir um país assim. Não sou pelo Estado total, mas demonizá-lo é horrível. Em alguns setores, ele precisa estar. As pessoas mais pobres precisam ter seus direitos preservados.



Já pensa em novos projetos?

Estou compondo algumas músicas. Em casa, na rua, na estrada. O problema é ouvir depois, não tenho muita paciência. Só coloco a letra na hora que eu quero. Tem que fluir. Pronto, acontecer. São surtos criativos. Sou compositor só na hora de fazer a música. Só me sinto cantor quando estou no palco. Fora, eu queria ser o cara mais normal do mundo. E tento sê-lo. Gosto de andar na rua, mas agora tem esse negócio de selfie. Eu entendo o que as pessoas querem. Só não consigo entender que sou famoso.

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