Opinião | Antonio Meneses, morto no auge, encontrou na música a forma possível de se comunicar com o mundo

Violoncelista considerado um dos grandes da atualidade morreu, aos 66 anos, neste sábado, 3; ele foi diagnosticado em junho com um tumor no cérebro

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Foto do author João Luiz Sampaio

Em 2022, o Estadão reuniu na Sala São Paulo um grupo de jovens estudantes de violoncelo para entrevistar o grande nome brasileiro do instrumento, Antonio Meneses. Sobrava timidez para todos os lados. Dos alunos perante o ídolo, e também do ídolo, sempre com dificuldade para sair falando de si mesmo.

Mas o silêncio eventualmente se desfez quando a conversa parou de girar em círculos e chegou a um ponto comum a todos ali presentes: a paixão pela música. “Tudo o que você fizer na vida vai depender do amor que tem pelas coisas. Eu tive sorte de poder desenvolver cedo o amor pela música e entender que fazer música era como precisar tomar água”, disse Meneses, que morreu neste sábado, aos 66 anos.

Parece algo trivial, mas não é, não no caso de Meneses. Ao longo de seus mais de 50 anos de carreira, ele fez da música a forma possível de se comunicar com o mundo. Em 2010, quando Luciana Medeiros e eu realizamos com ele uma série de encontros para uma biografia, pareceu, de início, difícil tirar dele as informações. Até que começamos a ouvir juntos gravações de outros violoncelistas. A música derrubou todas as barreiras. E, por meio dela, lembranças, memórias e afetos enfim surgiram, revelando uma pessoa bem-humorada, carinhosa e profundamente inteligente.

Antonio Meneses morreu neste sábado, 3, aos 66 anos. Foto: Reinaldo Canato /Osesp

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Não é acaso, portanto, que ele entendesse a música como diálogo. Primeiro, do intérprete consigo mesmo. Não havia para Meneses uma divisão entre técnica e expressão. Ideias a respeito de como interpretar uma obra estavam sujeitas à técnica do músico; e, da mesma forma, a técnica se alargava à medida em que a experiência trazia novas ideias e percepções a respeito do que se tocava.

Por conta disso, ele via o trabalho do músico como um constante desenvolvimento. Não gravou as suítes de Bach três vezes – nos anos 1990, no início dos anos 2000 e em 2023 – por vaidade ou pressões mercadológicas, mas porque entendia que o conceito de uma interpretação fechada, de referência, era menos importante do que a percepção do desenvolvimento de si mesmo como artista – e como ele possibilitava a chance de dizer novas coisas.

Outro diálogo se dava com seus colegas. Meneses refinou com músicos como o pianista Menahem Pressler algo que já intuía desde cedo: fazer música era conversar sobre o que se tocava. Mas essa conversa tinha suas regras. Dependia da capacidade de ouvir o outro e de ser claro o suficiente para ser ouvido. Nesses papos musicais, Meneses rejeitava com força tergiversações.

É por isso que seus registros com músicos como o próprio Pressler, Claudio Cruz, Ricardo Castro, Maria João Pires e Rosana Lanzelotte, entre muitos outros, revelam mundos em que a personalidade individual muito bem marcada se misturava à capacidade de se adaptar àqueles que tocavam ao seu lado. Não é exagero. Seu Brahms com Pires ou seu Villa-Lobos com Castro e Cruz estão entre as gravações mais importantes dos últimos vinte anos do mundo do violoncelo.

Registro do dia em que o violoncelista Antonio Meneses conversou com jovens músicos a pedido do 'Estadão'. Foto: J. F. Diorio/Estadão

Naquela conversa com os estudantes, Meneses afirmou, divertindo-se, que não parava de brigar com o violoncelo. Arrancou risos e surpresa. Era difícil imaginá-lo com qualquer dificuldade que fosse. Mas ele as assumia, desafiava, e superava. E saía do outro lado um músico ainda mais completo e complexo. Ele nos deixa no auge, o que é tristeza e alento ao mesmo tempo. Se é que para interrupção tão violenta pode haver de fato algum consolo.

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Opinião por João Luiz Sampaio

É editor do Estadão, crítico musical e autor de 'Ópera à Brasileira', 'Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção' e 'Guiomar Novas do Brasil', entre outros livros

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