Artistas começam a dar passos além das lives para reconquistar a experiência dos shows

Mistura de linguagens com cinema e games estão entre as produções feitas para quem ainda não tem um palco a seu dispor

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Foto do author Julio Maria

Sete meses sem palco. Quando tudo começou, a cadeia do entretenimento sabia que seria uma das mais afetadas. E, dentro de seus setores, os músicos pressentiam que a vida não seria fácil nem depois que uma reabertura decretasse a retomada dos espaços de show. Afinal, quanto tempo levará até que as plateias se sintam confiantes para dividirem um mesmo espaço de novo? Surgiram o movimento das lives, as redes de solidariedade e até uma lei, a Aldir Blanc, para o salvamento pontual dos artistas mais vulneráveis desde as suspensões de seus trabalhos.

A cantora Tchella Foto: Adriano Carmona

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Mas, então, os palcos não reabriram, o efeito das lives se esgotou e o modelo drive-in não de acomodou aos shows como tem feito com filmes e espetáculos teatrais infantis. E para onde vão os músicos? Segundo as experiências dos mais ousados, para o próximo passo, usando as redes para divulgar trabalhos que voltam a lidar com o conceito de espetáculo, expandindo as possibilidades das lives passivas do estágio inicial.

A cantora Tchella traz em seu DNA uma capacidade de reinvenção que o novo mundo pede cada vez mais. Ela fez circo, teatro de rua, teatro infantil, cinema e performance até lançar, em 2018, o álbum autoral Transmutante. Seus shows produzidos em casa com uma mistura de linguagens ajudaram a trazer 100 mil playes no Spotify, o que garante R$ 243 em royaties e uma receita de quase R$ 8 mil proveniente das frentes abertas com suas produções, como uma lojinha de artigos acessada por meio de um QR Code durante as exibições. “Estou conseguindo transformar a rede em um palco online. O show é o encontro das presenças, do público com o artista, e o problema é quando o artista não estuda suas apresentações como uma linguagem específica. Eu e meu marido estamos estudando.”

Tchella diz que, em alguns casos, o espaço das lives é mais maleável do que o das grandes áreas físicas. “A espacialidade é bem menor para compor a fotografia. Estou conseguindo fazer coisas mais interessantes no vídeo do que fazia no palco, onde a logística de cenário e do uso de efeitos é muito mais cara.” Há também, ela diz, reações específicas proporcionadas por uma live, como a que houve em um de seus shows em que ela canta de cabeça pra baixo. “Algumas crianças cantaram comigo de ponta cabeça também, algo que jamais fariam em um teatro.”

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No Stopa: em todas as frentes Foto: RAFAEL RENZO

A cantora e compositora No Stopa conta que tem feito encontros e ensaios com sua Banda Mirim em aplicativos de videoconferência. “Somos um coletivo de 12 artistas e estamos trabalhando dessa forma, semanalmente, desde o início da pandemia. Pesquisando para a próxima peça, montando cenas e oficinas virtuais para o público e para educadores. Esse material ficará disponível nas nossas redes sociais e será distribuído em escolas públicas e equipamentos culturais que acolherem esse formato.” Ela tem dois singles lançados durante o período, um deles gravado totalmente pelo microfone do celular, na sala de casa, “sem direito a edição de voz e outros truques de estúdio.” 

Sobre manter o conceito de espetáculo, No diz acreditar no “olhar de fora”. “É essencial ter alguém que cuide da direção artística e cênica, que veja o cenário, encontre a melhor iluminação, figurino, modo de interagir com a câmera. Mesmo com os recursos limitados pela câmera do celular, dá pra chegar a um resultado bacana. Tem artista usando cromaqui, inserindo vídeos pré gravados e descobrindo uma gama de possibilidades. Penso que é um universo que se abre e seguirá mesmo quando os shows voltarem.”

Enquanto a vacina não vem, ela diz que monetiza seu trabalho com o que aparece: “Shows em teatros vazios com transmissão ao vivo, show com público dentro dos carros, live em estúdio pra equipamentos culturais, show virtual em plataformas como o Sympla.” Contudo, sente que o tempo ainda não é do vislumbre. “Parece um sonho. Eu tô tentando criar memórias leves para levar desses dias.”

Felipe Rocha: o importante é está próximo ao público Foto:

O produtor e cantor Felipe Rocha, ou Fee Rocha, que lançou há uma semana o clipe e a canção Era de Esperar, diz que o caminho é “explorar tudo para manter o público perto mesmo de longe.” “O sentido de tudo sempre será passar a mensagem e o sentimento. Em tempos de live, que não temos a aproximação com o público, penso que nós artistas temos que nos esforçar ainda mais para termos a atenção do público em casa. É um desafio, acho que mentalizar o público junto e fazer de tudo isso algo natural é um bom caminho.”

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CINCO JOVENS CONTAM COMO ‘NASCEM OS SONS’

A reportagem Como Nasce Um Som, produzida pela TV Estadão e assinada pelos jornalistas Iolanda Paz, Leo Souza (responsável também pelas imagens) e Bruno Ponceano (pelo design) mostra a história e o trabalho de cinco jovens de estilos diferentes que também foram afetados pelas paralisações provocadas pela pandemia.

A rapper Letícia Sky fala das mudanças que sente no cenário dos últimos anos com relação às mulheres. “As mulheres não tinham tanta visibilidade no rap e no trap. Hoje, mais meninas estão chegando com peso e há uma visibilidade um pouco maior. Antes, era muito difícil tanto porque as mulheres tinham receio de poder mostrar o corpo quanto pelas músicas. Algumas letras depravavam o corpo.”

Diego Emanuel define o que faz como “MPB underground”. Ele já tem 76 composições e trabalha agora para divulgá-las. “Não são todos os músicos brasileiros que vivem nos holofotes”, diz. Influenciado pelo soulman Di Melo, ele fala das ações da pandemia em suas atividades. “Os shows e festivais foram todos cancelados. Antes, havia algumas oportunidades de gravar em estúdio, mas parou tudo, porque não tem onde lançar nem divulgar. Ainda bem que eu tenho um outro emprego, não dependo só da renda da música.” 

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Os irmãos gêmeos Fernando e Felipe Soares formam a dupla 2DE1, cheia de influências do rhythm and blues, que já conta com um EP lançado em 2014. Depois, em 2017, veio o álbum de estreia e, mais recentemente, o segundo, Ferida Viva, em 2019. “Apesar de alguns gostos em comum, escutamos artistas diferentes. Mas ouvimos muito Tim Maia, Belchior e R&B americano.”

E Digão Di Souza fala de seu trabalho solo, além do que faz como integrante do grupo Os de Paula, formado por filhos do cantor Netinho. “Não basta só reabrir. Eu queria que resolvesse. Não adianta fingirmos que nada está acontecendo e sair tocando sorrindo. Sei que é difícil, também precisamos ganhar o nosso dinheiro. Fico muito triste, porque gostaria que existisse uma solução. Se eu tiver de voltar, provavelmente voltarei, só que com muita tristeza.”

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