Artistas escolhem os 'hinos' da quarentena

A cantora Fafá de Belém aposta em ‘Alinhamento Energético’, de Letrux, e a apresentadora Sarah Oliveira opta por ‘Perfeição’, da Legião Urbana

PUBLICIDADE

Foto do author Gilberto Amendola

Se tem alguém com autoridade para falar de hino é a Fafá de Belém. A cantora marcou seu nome na história política do País ao participar dos comícios pelas Diretas Já, ocorridos entre 1983 e 1984. Na ocasião, emprestou a voz para canções emblemáticas como Menestrel das Alagoas e, claro, para o Hino Nacional.

Vanessa da Mata Foto: Direto da Fonte

PUBLICIDADE

Não à toa, a reportagem do Estadão foi saber da própria Fafá qual seria o hino da quarentena, a música que melhor representaria este momento de pandemia da covid-19 e de isolamento social. “Alinhamento Energético é premonitória. Quando me mostraram essa canção no ano passado, alguma coisa me tocou na alma. Hoje, essa música é o que foi o Menestrel das Alagoas nas Diretas Já”, afirmou. 

Aqui, um trecho da letra: “Se você achou que ano passado foi intenso/ Cê não sabia de nada, inocente/ Cê não sabia de nada/ Se você jurou que seu projeto ia vingar/ Cê não sabia de nada, inocente/ Cê não sabia de nada/ Que fase louca/ Que fase doida/ Que ano é esse?/ O que é que vem depois?/ Eu tô exausta, eu tô perdida/ Já me disseram que só começou...”. 

A composição é da cantora Letrux (nome artístico de Letícia Pinheiro de Novaes) e foi escrita em 2016. Ela foi gravada pela Fafá no álbum Humana, lançado ainda no início de 2019 – bem antes de qualquer sinal de coronavírus. “A voz da Fafá, a interpretação dela, é singular, pontual, eu babo. Acho que apesar de ser uma pessoa dada como otimista, eu sempre fui consciente que o mundo estava se encaminhando para um lugar terrível. A história do mundo é horrível, desgraçada, se a gente não respira e acha umas horinhas para alegria, é tristeza na certa. Todo ano eu achava que alguma coisa, um projeto meu ia vingar e todo ano vinha uma porradinha, então essa música veio desse lugar, esperando um eterno Godot, e respirando nos intervalos”, contou Letrux. 

Publicidade

A apresentadora e radialista Roberta Martinelli também lembrou da canção de Letrux. “É um hino da quarentena que eu canto todo dia. É uma composição que, a cada fundo do poço alcançado, ganha um novo sentido”, disse Roberta. Ela também destaca uma outra canção em tempos de coronavírus: “Em dias mais otimistas, o hino é Amanhã, do Guilherme Arantes. As duas juntas (Alinhamento Energético e Amanhã) dão a real cara do isolamento. São altos e baixos, dias de esperança e outros que estamos prestes a pirar”, completou.

A letra de Guilherme Arantes é mesmo clássica: “Amanhã será um lindo dia/ Da mais louca alegria/ Que se possa imaginar...”. Aliás, Amanhã também é a escolha da cantora Vanessa da Mata. “É uma canção cheia de esperança, pop, bonita e bem feita”, afirmou.  Já o cantor e compositor Maurício Pereira elegeu Jeca Total, de Gilberto Gil, como o hino dessa quarentena: “Jeca Total deve ser Jeca Tatu/ Presente, passado/ Representante da gente no Senado/ Em plena sessão/ Defendendo um projeto/ Que eleva o teto salarial no sertão...”. “Ela me conta do abraço da quantidade louca de informação e possibilidades com a ignorância bruta da gente, o baixo-ventre, justamente num momento em que todo mundo acredita que tem uma opinião definitiva sobre tudo. Como se, mansamente, melancolicamente, o Gil cantasse pra nós a fórmula da nitroglicerina”, explicou Pereira. 

A apresentadora Sarah Oliveira foi buscar em clássicos da Legião Urbana, as canções que mais representam este momento. “Eu fiz um especial sobre Legião Urbana para o Minha Canção, meu podcast do Estadão e programa da Rádio Eldorado, que foi um soco, canções como Teatro dos Vampiros e Perfeição são atuais demais. Parece que Renato escreveu hoje”, disse. “Teatro dos Vampiros diz ‘quando me vi, tendo que viver comigo apenas e com o mundo’ ou ‘os assassinos estão livres, nós não estamos’”, completou.

Sarah também destacou a letra de Perfeição, que, segundo ela, é de “tirar o ar”: “Vamos comemorar como idiotas/ A cada fevereiro e feriado/ Todos os mortos nas estradas/ Os mortos por falta de hospitais/ Vamos celebrar nossa justiça/ A ganância e a difamação/ Vamos celebrar os preconceitos/ O voto dos analfabetos/ Comemorar a água podre/ E todos os impostos/ Queimadas, mentiras e sequestros...”. 

Publicidade

Particularmente, Sarah também tem recorrido ao álbum Transa, de Caetano Veloso e a faixa You Don’t Know Me. “Caetano escreveu no exílio e está reverberando em mim, como nunca”, afirmou. Eis um trecho: “Feel so lonely/ The world is spinning round slowly/ There’s nothing you can show me from behind the wall”. 

A quarentena também tem sido um período de inspiração para muitos artistas. O cantor e compositor Zeeba, por exemplo, lançou Tudo Que Importa neste período. “É uma canção que fala sobre estar perto de quem realmente importa. É quando a gente perde as coisas é que a gente dá valor, disse o autor dos versos ‘posso até sonhar/ Quando existe alguém/ Pronto pra viver por perto, vem’.” 

Eduardo Bologna, instrumentista, compositor e produtor musical, procurou identificar quais são as características que podem transformar uma canção em algo imprescindível nesta quarentena. “Percebi que tenho ouvido muitas canções com uma característica mais descritiva, tipo lugares e personagens marcantes. Sabe aquele lance de descrever uma paisagem e você se sentir dentro da cena, observando e ao mesmo tempo interagindo com aquelas pessoas? Acho que tem tudo a ver com este período de afastamento social”, explicou. 

“Tem uns caras que são mestres nisso, né? Leonard Cohen, Chico Buarque, os caras do The Band... não sei se consigo explicar muito bem, mas pegue The Weight, do grupo The Band, por exemplo, você vê um quadro, um filminho passando. Tem isso em Cotidiano (Chico Buarque), em Sky Blue Sky (Wilco), em Jockey Full Of Bourbon, Hold On e Telephone Call From Istambul (Tom Waits). Mas se eu tiver que escolher uma só, tipo hino, vou deixar uma que tem delicadeza e elegância, o que está faltando nos dias de hoje: You Can Never Hold Back Spring, de Kathleen Brennan e Tom Waits. Por algum motivo, essas canções têm causado mais efeito do que o normal nestes dias de quarentena”, completou Bologna. 

Publicidade

PUBLICIDADE

O cantor e ator Tiago Abravanel lembrou de um sucesso da cantora inglesa Dua Lipa, o Don’t Start Now. “Foi uma música que representou muito. Eu e meu marido ficamos muito em cima do Big Brother Brasil e a música tocou muito no programa.” No BBB, a música ganhou mais destaque quando a participante e cantora Manu Gavassi inventou uma coreografia para ela. A performance ficou conhecida como “tamborzin, tamborzin”.

A cantora Paula Santisteban foi buscar na música instrumental o equilíbrio para os dias de quarentena. “Brad Mehldau é o pianista que mais gosto de ouvir tocar, sempre que estou precisando de equilíbrio e de olhar um pouco pra dentro, conversar comigo mesma o escuto tocar. Deve ser porque ele tem um equilíbrio perfeito entre mão direita e esquerda e entre técnica e sensibilidade. Nestes tempos por detrás das janelas, é como uma bebida certa, um livro certo, uma oração ou um abraço. Essa música especificamente, Bewitched, Bothered and Bewildered, eu amo mais do que todas.”

Felipe de Paula, programador musical da Rádio Eldorado, escolheu um artista para representar os dias de quarentena. “Sempre fui fã do Prince, mas ele ganhou um significado maior para mim nesta quarentena. Acabei redescobrindo sua discografia e a importância dele na música pop. Um disco que me chamou muito a atenção foi Sign O’ The Times, de 1987. É tão rico e diverso na sonoridade e nos temas que ele trata que poderia ter sido lançado hoje.” 

“A faixa-título, Sign O’ The Times – uma canção pesada, profética, que prova que mesmo passados 33 anos a gente não aprendeu quase nada com nossos erros”, completou Felipe. "In France, a skinny man died of a big disease with a little name/By chance his girlfriend came across a needle and soon she did the same (Na França, um homem magro morreu de uma grande doença com um pequeno nome/Por acaso, a namorada encontrou uma agulha e logo fez o mesmo)", cantou Prince.

Publicidade

Correções

*No texto original da reportagem, a canção "Sign o' the times", de Prince, foi trocada pela canção 'Sign of The Times', de Harry Styles. Na músia de Prince, o trecho destacado é: "In France, a skinny man died of a big disease with a little name/By chance his girlfriend came across a needle and soon she did the same (Na França, um homem magro morreu de uma grande doença com um pequeno nome/Por acaso, a namorada encontrou uma agulha e logo fez o mesmo) O trecho da canção de Hary Styles publicado anteriormente foi: “Just stop your crying/ It’s a sign of the times/ Welcome to the final show/ Hope you’re wearing your best clothes/ You can’t bribe the door on your way to the sky (Apenas pare de chorar/ É um sinal dos tempos/ Bem-vindo ao show final/ Espero que você esteja vestindo suas melhores roupas/ Você não pode subornar a porta no seu caminho para o céu...).

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.