Apesar de já ser o maior fenômeno pop em toda a história da Coreia do Sul, de ter atropelado a supremacia ocidental nos Grammys recentes, de ter atraído 800 mil turistas a seu país só em 2017, de vender 30 milhões de álbuns, de se tornar o primeiro grupo sul-coreano a atingir o topo nos Estados Unidos e de movimentar mais de US$ 3,54 bilhões por ano, os sete rapazes do BTS não devem se livrar do serviço militar obrigatório. Ou devem? A discussão divide um país entre quem acredite que eles devam ser deixados em paz pelas Forças Armadas – basicamente, os fãs – e quem ache uma grande bobagem liberar sete garotos saudáveis e de corpos tão maleáveis das trincheiras.
Os políticos, sentindo a temperatura das ruas, levaram o debate para a Assembleia Nacional, e votarão sobre ela. Mas a vitória recente do conservador Yoon Suk Yeol para presidir o país e o espírito de “guerra eterna” contra a Coreia do Norte, que piorou o clima desde que decidiu retomar os testes de mísseis balísticos de longo alcance, não dão muitas esperanças. Pelo cenário, o BTS deve seguir sendo frequentemente dilacerado pelas obrigações cívicas.
A lei militar na Coreia do Sul é diferente das regras do Brasil, que exige que todos os cidadãos se alistem no ano em que completarem 18. Por lá, os jovens têm mais folga: “Todos os homens aptos com idades entre 18 e 28 anos devem servir nas forças armadas por pelo menos 18 meses”, diz o regimento. Mesmo assim, a questão é delicada ao BTS, que constrói uma carreira afetiva com seus fãs na qual o serviço militar se torna uma espécie de morte. Pelas contas, o próximo a deixar o grupo é Kim Seok-jin, ou apenas Jin, que deverá apresentar-se às fileiras até o final do ano. Os outros seis membros, nascidos entre 1993 e 1997, contam com um pouco mais de tempo.
A corrida da mega agência que representa os meninos, a Hybe, é pela revisão da lei. Os executivos do showbizz pedem, com toda a influência dos milhões de dólares que representam, que os parlamentares decidam o mais rápido possível pela liberação dos popstars, já que o atual presidente, simpático ao grupo, só governa até o próximo dia 10, quando assume o linha dura. “A incerteza está pesando sobre nós. Espero que o assunto possa ser concluído em breve”, disse ao jornal Korea Herald o chefe do escritório de comunicação da Hybe, Lee Jin-hyeong. A lei atual, na qual se baseiam os pedidos de alteração, tem dois casos passíveis de liberação: medalhistas dos Jogos Olímpicos e Asiáticos e músicos clássicos premiados mundialmente. Apenas esses são isentos ou autorizados a prestar serviço público alternativo.
A história do rock, ao menos a do ocidente, guarda uma série de confluências entre vida artística e serviços militares nem sempre dilacerantes. Elvis Presley tem a mais conhecida delas. O rei do rock alistou-se no exército em 1958 e serviu por dois anos na Alemanha, até sair e receber a Medalha de Boa Conduta. Elvis, desde o início, queria ser tratado como um soldado comum, o que, evidentemente, não foi possível. “Eu estava em uma posição estranha. Na verdade, essa era a única maneira possível. As pessoas esperavam que eu bagunçasse, fizesse besteira de uma forma ou outra”, afirmou em uma coletiva de imprensa. “Muitos pensavam que eu não aguentaria, mas eu estava determinado a ultrapassar qualquer limite para provar o contrário, não apenas para os outros, mas para mim mesmo.”
Mas, por outro lado, biógrafos levantam algo desagradável na passagem de Elvis pelo 32.º Regimento de Blindados. A biografia Down at the End of Lonely Street, de Peter Brown, afirma que foi no Exército que ele começou a usar anfetaminas, levada por um sargento. “Elvis Presley virou outra pessoa depois do exército”, disse Paul McCartney a um de seus biógrafos. As drogas e o álcool levariam o músico à morte em 1977, aos 42 anos de idade.
Jimi Hendrix deixou alguns pontos nebulosos sobre sua vida como paraquedista da 101ª Divisão Aerotransportadora, baseada em Fort Campbell, Kentucky. A história que ele contava é de que sua dispensa havia ocorrido depois de quase um ano por causa de uma fratura no tornozelo sofrida durante um salto. Mas, e lá vêm os biógrafos de novo, o livro Room Full of Mirror, de Charles Cross, afirma que não foi nada disso. Hendrix, desesperado para se dedicar apenas à música, haveria mentido a seus superiores, especificamente ao capitão John Halbert, dizendo que estava apaixonado por um amigo em uma entrevista de avaliação psicológica.
Uma jogada de mestre que tornaria sua permanência por ali, um ambiente homofóbico até a medula, insustentável. Mas talvez nenhum outro nome da música tenha mais histórias do que Tony Bennet. Aos 18 anos, em 1944, ele foi convocado para se juntar às forças aliadas da 63ª Divisão de Infantaria, a Divisão de Sangue e Fogo, que ajudaram a livrar a Europa das invasões nazistas da Segunda Guerra Mundial. Antes, como praxe, passou seis semanas treinando em Fort Robinson, Arkansas, um inferno muitas vezes pior do que o próprio teatro de operações. Em sua autobiografia, lançada em 2007, Bennet contou um pouco do que viu entre ações nas quais “capturou um bando de soldados SS” e “libertou os prisioneiros de um campo de concentração”. Uma experiência tão rica que talvez inspire os jovens do BTS a servirem a pátria. Ou, definitivamente, os faça correr: “Ficava a cinquenta quilômetros ao sul do notório acampamento de Dachau”, conta Bennet, “na margem oposta do rio Lech, do qual estávamos nos aproximando. O rio era traiçoeiro e difícil de atravessar porque ainda havia soldados alemães protegendo-o, mas não permitiríamos que nada nos impedisse de libertar aqueles prisioneiros. Muitos escritores registraram como era nos campos de concentração com muito mais eloquência do que eu jamais consegui, então nem tentarei descrever. Apenas deixe-me dizer que nunca vou esquecer os rostos desesperados e olhares vazios dos prisioneiros enquanto vagavam sem rumo pelos acampamentos. Assim que tomamos posse do acampamento, imediatamente levamos comida e água para os sobreviventes, mas eles haviam sido brutalizados por tanto tempo que a princípio não conseguiam acreditar que estávamos ali para ajudá-los e não para matá-los.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.