Parecia até cena de filme. Em janeiro deste ano, a banda brasileira Francisco El Hombre tinha acabado de chegar a Mendoza, na Argentina. O objetivo era passar apenas uma noite na cidade e seguir rumo a Santiago del Estero, onde o grupo iria se apresentar. Apesar da viagem desgastante de carro, tudo parecia fluir bem na turnê Mochilazo, que, além da Argentina, passaria também pelo Chile e Uruguai. Foi então que Sebastián Piracés pediu para que os outros quatro integrantes, Mateo Piracés, Andrei Martinez, Juliana Strassacapa e Rafael Gomes, descessem do veículo. “Deixa só eu estacionar isso aqui direito. Está torto”, disse Sebastián. A temperatura já tinha baixado e estava muito escuro quando um outro carro encostou ao lado de Sebastián. “Não deu tempo de perceber que era um assalto. Armados, eles saltaram rapidamente do carro, abriram a minha porta, começaram a distribuir socos e chutes e me jogaram para fora. Eram cinco ou seis pessoas encapuzadas. Perguntaram de onde eu era. Só deu tempo de dizer que vinha do Brasil”, concluiu o músico em entrevista ao Estado. Formada pelos irmãos mexicanos Sebastián e Mateo Piracés-Ugarte, parecia que o sonho da banda Francisco El Hombre tinha chegado ao fim. Não havia sobrado nada. Malas, instrumentos, equipamentos, celulares, passaportes: estava tudo dentro do carro. Eles haviam ficado apenas com a roupa do corpo. Cogitaram voltar ao Brasil, mas de nada adiantaria. “Perdemos tudo, incluindo violão, guitarra, bateria e baixo. Não dava para continuar sem nossa matéria-prima básica. No entanto, tínhamos saído de casa com um propósito. A gente tinha que continuar aquilo de alguma forma, apesar de todas as dificuldades”, afirma Sebastián.
A notícia se espalhou rapidamente pela cidade. Após procurarem a polícia e o consulado do Brasil, a ajuda veio de todos os lados, a começar pelos vizinhos, que deram pão e vinho para a banda se alimentar. Um grupo punk local chamado Insurrektxs emprestou os instrumentos musicais. Dessa forma, eles passaram a tocar pelas ruas da cidade e conseguiram dinheiro para as necessidades básicas. “Poucas horas depois do ocorrido, o pessoal do Insurrektxs entrou em contato com a gente. Eles ficaram sensibilizados com o que tinha ocorrido e nos ofereceram guitarra, baixo e uma bateria improvisada. Foi uma prova de fogo, pois o estilo deles era completamente diferente do nosso. A gente precisou provar que era bom”, conta Sebastián. O fato ganhou ainda mais repercussão na mídia local e o ápice da generosidade veio com um convite inusitado feito de última hora pelo poeta e compositor argentino Jorge Sosa: se apresentar na Fiesta Nacional de la Vendimia, um dos festivais de música mais importantes de Mendoza. “A gente só ficou sabendo de última hora. O convite veio com 1 hora de antecedência. Quando nos demos conta, estávamos em cima do palco tocando para mais de 40 mil pessoas. Uma banda chamada Los Chimenos cedeu 10 minutos da apresentação deles para a gente. Tocamos duas músicas e a multidão ficou ensandecida”, recorda o baterista Sebastián. Depois do ocorrido, Jorge Sosa assumiu os microfones e disse que a banda brasileira tinha sido assaltada e que qualquer contribuição seria muito bem-vinda naquela altura do campeonato. “As pessoas começaram a colocar dinheiro, roupas e até comida dentro de um cesto, que era passado pela multidão. Conseguimos R$ 5 mil. Valor suficiente para emitir novos passaportes e comprar passagens para o Chile, nosso próximo destino da turnê”, lembra ainda.Gratidão. Filhos de pai chileno e mãe mexicana, os irmãos Sebastián e Mateo Piracés-Ugarte só conseguiram equilibrar suas finanças no Chile, onde encontraram alguns parentes e ficaram mais tranquilos. Lá, eles encerram a turnê sul-americana da banda. Segundo eles, em apenas 2 meses, a banda tocou em mais de 20 cidades. “Um dos últimos shows da turnê foi justamente realizado em Mendoza, na Argentina. Tocamos gratuitamente para, mais ou menos, 500 pessoas. Foi uma forma de agradecer a tudo o que a cidade fez por nós. Toda grande queda fortalece. Consegui comprar um novo carro para a minha mãe na semana passada”, brinca Sebastián. A sonoridade da banda independente, que lançou em abril o EP La Pachanga!, foi fortemente influenciada pelo incidente ocorrido em janeiro. “Nossas músicas não são mais as mesmas. Quando subimos no palco, por exemplo, não tocamos mais como antes. Valorizamos cada segundo e toda a musicalidade de Mendoza está agora inserida no nosso DNA musical”, crava. A banda, que agora faz uma turnê por várias cidades do interior de São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Santa Catarina, se prepara para gravar o primeiro álbum da carreira até o fim do ano. “Pensamos em voltar a Mendoza e fazer um grande show de lançamento do disco. Essa cidade estará para sempre em nossos corações”, acrescenta Sebastián Piracés.
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