Baterista do The Doors lembra do comportamento ‘psicótico’ de Jim Morrison em livro; conheça

Ao ‘Estadão’, John Densmore relembra histórias da lendária banda, de clássicos como ‘Riders On Storm’, título da autobiografia do músico, recém-lançada em português pela Belas Letras

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Foto: Reprodução Facebook/Jeff Katz
Entrevista comJohn DensmoreMúsico

John Densmore foi um cavaleiro na tempestade do rock n’ roll, responsável por controlar as rédeas do ritmo de uma das bandas mais influentes da história do gênero.

Como baterista do The Doors, ele ajudou a arquitetar o som soturno e potente responsável por impulsionar a poesia de Jim Morrison, figura errática cuja morte trágica aos 27 anos ampliou sua lenda e alçou o catálogo do grupo a um patamar quase mitológico.

Não bastasse a excelência provada com as baquetas em clássicos como The End e Light My Fire, Densmore se tornou um escritor renomado. Redigiu artigos para uma série de jornais – do The Guardian ao L.A. Times – e virou autor best-seller graças ao livro de memórias Riders On The Storm, recém-lançado no Brasil pela Belas Letras.

A obra, publicada originalmente em 1990, serviu de base para a cinebiografia do conjunto, lançada um ano depois sob direção de Oliver Stone e com Val Kilmer no papel do emblemático vocalista.

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Em janeiro, a reportagem do Estadão conversou com Robby Krieger, o virtuoso guitarrista da banda que hoje vive nova fase em carreira solo, e agora entrevistou outro membro fundador do quarteto, por videoconferência.

Aos 79 anos, direto de Los Angeles, o músico demonstrou entusiasmo em ter contato com um veículo brasileiro. Ele disse adorar o País, apesar de nunca ter nos visitado, e contou que seu filho esteve recentemente em São Paulo trabalhando com o artista grafiteiro Shepard Fairey.

Nesta entrevista, o veterano baterista falou da influência da bossa nova em seu estilo de tocar; o comportamento “psicótico” e autodestrutivo de Morrison; o desenvolvimento na escrita, entre outros assuntos.

Esquerda para direita - Jim Morrison, John Densmore, Robby Krieger e Ray Manzarek Foto: Reprodução Facebook/The Doors/Michael Ochs

Há uma passagem interessante no livro onde você afirma que a bossa nova influenciou a música ‘Break On Through’, como foi?

Sim, quando os Doors estavam ensaiando pela primeira vez, antes de conseguirmos um contrato com uma gravadora, a bossa nova estava em ascensão vindo do Brasil. Nós ficamos simplesmente impressionados com Gilberto Gil [apesar de proferir claramente o nome de Gil, John pode ter se equivocado na intenção de se referir a João Gilberto]. E Garota de Ipanema foi um grande sucesso aqui [John canta a melodia da canção]... Eu simplesmente não podia acreditar como o ritmo era tão relaxado, mas também profundo. Isso é papo de baterista, mas todos nós bateristas daqui aprendemos o ritmo da bossa nova. E então eu pensei: ‘Estou tocando rock and roll. Vou pegar esse ritmo e torná-lo mais rápido e rígido para se encaixar em Break On Through’. E foi o que eu fiz. Então, obrigado, Brasil!

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E como era incorporar a bateria dentro da poesia tão profunda criada por Jim Morrison? Como era seu processo?

As palavras do Jim meio que me diziam como tocar bateria. No início, ele era muito tímido, mas Ray Manzarek, o tecladista, era muito mergulhado no jazz, como eu. Nós dois simplesmente amávamos bossa nova e Miles Davis. Jim não sabia tocar um instrumento. Ele não conseguia tocar um acorde em nada. Mas ele tinha as palavras e pensava em melodias para lembrar as palavras. Nos ensaios, ele só meio que cantava a cappella para nós... E agora, Gabriel, vou mostrar para você por que sou o baterista e não o cantor... Ele cantava ‘Before you slip into unconsciousness / I’d like to have another kiss’ [cantando trecho de The Crystal Ship]... E nós íamos: ‘Ok, espera aí, Fá sustenido. É uma valsa ou seja lá o que for’. E então nós parávamos e meio que esboçávamos os arranjos juntos. Foi por isso que o Jim disse: ‘Não vamos creditar as letras apenas a mim. Vamos dizer que toda a música foi escrita pelos Doors’, o que foi algo muito generoso.

Além de ser um grande baterista, você também se provou um escritor bem-sucedido. Como desenvolveu essa habilidade?

Livros levam muito tempo. Eu queria escrever um livro sobre minhas experiências. Primeiro tive alguém que me entrevistou e aí transcrevi tudo. E foi chato, sabe? Também tive um ghostwriter por um tempo, mas aquilo não era eu. Não era a minha voz. Lutei por muitos anos para escrever por conta própria, lancei Riders on the Storm na época que o filme do Oliver Stone sobre os Doors saiu. E foi muito bem, mas eu ainda não tinha coragem de dizer que eu era um escritor. Levei mais alguns anos escrevendo artigos pequenos. Escrevi um artigo na revista Nation sobre vender músicas para comerciais e isso viralizou. E daí pensei: ‘Ok, agora eu aperfeiçoei outra avenida da criatividade e estou confiante sobre isso’. Então, é um processo longo, não tão divertido quanto tocar em uma banda. Mas, sabe, eu posso fazer isso aqui no meu escritório e não tenho que depender de mais ninguém. Me agrada que eu meio que consegui outra maneira de comunicar.

Val Kilmer como Jim Morrison em 'The Doors - O Filme', de 1991 Foto: Reprodução

E quanto do seu livro influenciou o Oliver Stone para o filme de 1991?

Dei ao Oliver a prova final do meu livro, antes de ser publicado, e falei: ‘Você precisa me dar um agradecimento nos créditos do filme’. Oliver gostou tanto do meu livro que usou cerca de 10% [no roteiro]. Acho que para crédito de roteirista, você precisa de 13%. E já tinha um roteirista no projeto antes do Oliver entrar. Eu sabia que não poderia receber crédito de escritor, mas realmente queria um agradecimento forte nos créditos. Então, pedi ao Oliver o crédito e ele ficou muito chateado. Mas quando ele fez os créditos, talvez por minha insistência, colocou ‘Obrigado ao livro do John Densmore’ logo após [o crédito do] Val Kilmer. Quer dizer, foi um crédito grande, forte. O livro havia sido lançado há alguns meses e tinha recebido críticas boas. Mas, devo dizer, o filme saiu com aquele agradecimento e uma semana depois o livro virou best-seller do New York Times.

Você gosta do filme?

Sabe, você pega uma carreira de seis anos, a comprime em algumas horas e a amplia do tamanho de um prédio de dois andares. Não é a realidade. Então, eu vejo o filme como uma pintura impressionista e uma realmente boa. Acho que Val Kilmer deveria ter sido indicado ao Oscar. A única coisa que me incomodou um pouco foi que não foi tanto sobre os anos 60. Foi mais sobre o tipo do ‘artista torturado’, o que é uma história válida, sabe? Mas depois teve um documentário narrado por Johnny Depp chamado When You’re Strange (2009) e tinha mais dos anos 60. Então, eu acho que entre esses dois, o documentário realmente representa a banda.

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Há uma frase sua curiosa no livro: ‘Nietzsche matou Jim Morrison’, o que quis dizer com isso?

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Espera aí, eu disse isso? (risos)... Isso foi emoção... Querendo dizer que sinto falta desse grande letrista que era difícil porque tinha tendências realmente autodestrutivas. Mas eu o amava tanto pela arte dele. Nietzsche era meio que um filósofo sombrio e então eu meio que desabafei, ‘Oh, Nietzsche matou Jim’, apenas por frustração e tristeza por perdê-lo.

E você levou cerca de três anos para prestar homenagens no túmulo de Jim... Por quê?

Boa pergunta. Nossa, você é bom. Então, essa foi uma época em que clínicas de tratamento para abuso de substâncias como a AA existiam, mas não eram populares. Ninguém sabia nada sobre elas. Eminem, outro tipo de artista irritado, mas muito criativo como Jim, e Eric Clapton, por exemplo, ainda não tinham seguido esse caminho [de tratamento]. Isso foi bem no início. À medida que a autodestruição de Jim aumentava, eu sabia que havia um ‘elefante na sala e havia merda de elefante por toda parte’. Ninguém estava falando nada sobre isso porque Jim era nosso ganha-pão. Eu não me importava se não fizéssemos mais nenhum álbum ou dois. Então, respondendo a sua pergunta, havia esse ressentimento e raiva, que eu descreveria como amor difícil. Me levaram alguns anos para realmente começar a lamentar e perceber: ‘Meu Deus, tive a oportunidade de fazer música com alguém que está lá no topo com [Bob] Dylan e fui abençoado por estar com ele’. Foi um caminho cheio de obstáculos, Gabriel. Bem difícil.

Pedestres passam por um painel com imagens de astros do rock, como Jim Morrison e Jimi Hendrix, na Avenida São João, no centro de São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão

Tem um monte de histórias malucas no livro, mas você se importa de compartilhar aqui qual foi o momento mais assustador que vivenciou com o Jim?

Você está tentando chegar na sujeira, né?

Só um pouquinho...

Bem, logo no início, eu levei o Jim até o apartamento de uma amiga dele, Rosanna, e depois voltei mais tarde para buscá-lo, tinha um montão de maconha na mesa e ele estava brincando com uma faca de cozinha. Fiquei tipo: ‘Oh merda, o que está acontecendo aqui? Nosso vocalista é um psicótico’. Felizmente, ele não fez nada com aquela faca.

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Jim gostava de pressionar as pessoas para ver como elas reagiriam. Ele provocava e testava as pessoas.

John Densmore, baterista do The Doors, sobre Jim Morrison

Quais foram suas melhores experiências com outros músicos fora do The Doors?

Obrigado por essa pergunta. Eu tenho três autobiografias e uma delas se chama The Seekers: Meetings with Remarkable Musicians [’Os Buscadores, Encontros com Músicos Notáveis’, em tradução livre]. Talvez graças a você eu consiga uma tradução para o português. Eu ficaria muito feliz com isso. O conceito todo desse livro é cada capítulo ser sobre um artista que me inspirou. Patti Smith, Elvin Jones, o baterista de John Coltrane, Ravi Shankar, Bob Marley. Tem simplesmente de tudo um pouco. Tenho um background muito eclético, um caldeirão de misturas que me fez o artista que sou. Estive na Jamaica antes do reggae chegar aos EUA. Robby e eu estudamos na Escola de Música Indiana de Ravi Shankar. Ray e eu amávamos jazz. Lembro que quando estávamos gravando L.A. Woman (1970) e adotamos a filosofia do Miles Davis de ‘danem-se os erros’, ao contrário do The Soft Parade (1969), onde usamos cordas, metais e tentamos fazer um Sgt. Pepper’s [obra-prima dos Beatles, de 1967].

Para fechar, por favor, nos conte um pouco sobre como foi o processo de criação da bateria para a música ‘Riders On The Storm’, que batiza o livro.

Bem, estávamos improvisando no nosso estúdio de ensaio e tocamos essa música caipira meio brega, Ghost Riders In The Sky. E daí meio que se transformou em Riders On The Storm. Eu amo o som dos pratos no álbum All Blues de Miles Davis. Jimmy Cobb era o baterista e busquei aquele som para essa faixa. Um som meio melancólico, atmosférico. E nos divertimos muito brincando de Deus, porque tínhamos máquinas de gravação com o som dos trovões, que podíamos inserir onde quiséssemos, e tínhamos chuva o tempo todo. Então, após Jim cantar um verso, ou Ray fazer um solo, podíamos enfatizar isso. Foi muito divertido.

Capa do livro 'Riders On The Storm', de John Densmore Foto: Divulgação/Belas Letras

Riders On The Storm Minha Vida com Jim Morrison e o The Doors

  • Autor: John Densmore
  • Tradução: Paulo Alves
  • Editora: Belas Letras (416 págs; R$84,17)

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