Quando tocou Despacito para os executivos da gravadora, Luis Fonsi ouviu um som de aprovação que conhecia há tempos. Com 20 anos de carreira e nove discos lançados, o cantor porto-riquenho sabe reconhecer quando acertou em cheio no coração – e nos bolsos – dos engravatados da indústria.
Algo como um “hmmm” ressoou pela sala quando mostrou a canção, na época com a participação apenas do rapper Daddy Yankee, também de Porto Rico. Decidiram, naquela reunião realizada em 2016: Despacito seria o primeiro single do décimo e novo disco dele, a ser lançado alguns meses depois. O disco, contudo, nunca veio.
A vida de Fonsi mudou desde aquele 12 de janeiro de 2017, quando o single foi lançado, em meio ao verão no Hemisfério Sul – até então, o principal foco de atuação do porto-riquenho. Em duas semanas, havia recebido ligações de gente como Rick Martin e Marc Anthony, nomes importantes da música latino-americana nos Estados Unidos.
Diziam que havia acertado em cheio, um home run, na linguagem do beisebol. Aos 39 anos, o cantor desavergonhadamente romântico Fonsi seria o líder da mais recente revolução da música pop.
Porque o país presidido por Donald Trump, aquele mesmo que prometeu erguer um muro entre Estados Unidos e México para impedir que mais imigrantes entrem ilegalmente, teve, por 16 semanas consecutivas, uma canção cantada em espanhol (a língua falada pelos tais latinos, senhor Trump), como a música mais tocada nas rádios de seu território.
Não é novidade, é verdade. Os Menudos sacudiram os anos 1980, enquanto isso, na década seguinte, Macarena, cantada pela dupla espanhola Los Del Río, tocou à exaustão em Porto Rico e, ponto de parada de tantos cruzeiros norte-americanos, foi exportada para os Estados Unidos, remixada por Bayside Boys e ficou no topo das paradas por 14 semanas.
No fim daquela década, o mercado foi inflado por uma enorme quantidade de artistas com sangue latino nas veias. Suas canções, contudo, se enquadravam dentro do quadrado e pouco aberto às novidades universo do pop da época. Ricky Martin, Enrique Iglesias, Shakira e Jennifer Lopez estabeleceram suas carreiras ali, com um inglês carregado de sotaque e batidas muito pasteurizadas.
É essa a diferença dessa segunda onda de latinidades liderada por Despacito – avalia o próprio Luis Fonsi, que estudou música na Florida State University – lugar no qual, aliás, também estudou por um breve período Jim Morrison, do The Doors.
“Hoje, o pop é isso que estamos fazendo”, conta o cantor e compositor que se mudou para os Estados Unidos aos 10 anos e frequentou corais das escolas, integrou na adolescência uma boy band chamada Big Guys, a qual um dos integrantes era Joey Fatone, depois estrela do ‘N Sync ao lado de Justin Timberlake.
“A música pop se transforma, ela não tem uma fórmula, pelo contrário, ela é mutante, se adapta ao que está ao seu redor”, segue Fonsi. “Basta reparar na transformação do gênero ao longo dos anos. Na década de 1980, as bandas populares de rock. Embora eles usassem aqueles power chords e exibissem os cabelos longos, eles eram pop! Nos anos 1990, foi a mesma coisa, o pop se aproximou do R&B. Esse tipo de música é fusão, ele evolui de acordo com o que está ao seu redor. Despacito, por exemplo, não é aquilo que dizem, como ‘música urbana, ‘cumbia’ ou ‘salsa’. Ela é pop! Eu a criei assim.”
O sucesso alcançado por Despacito, seja qual for a etiqueta grudada na canção pelos críticos com conhecimento limitado de música latina, abriu espaço no gênero por novos nomes vindos do Hemisfério Sul do continente americano. Depois de Fonsi, surfam na mesma onda nomes como os colombianos Maluma e J. Balvin e, claro, a brasileira Anitta.
O caso da brasileira é um exemplo de sagacidade e feeling de mercado. Ao notar um interesse vindo dos Estados Unidos, criou o projeto Check Mate, com o qual lançaria uma música inédita, acompanhada por um clipe, por mês. Com isso, se apresentou para o mercado norte-americano em suas diferentes vertentes artísticas: a bossa pop Will I See You fincou as raízes brasileiras dela para o mercado de gringo; Is That For Me mostrou a força dela para as pistas; com Downtown, ela se deixou envolver por um reggaetton caliente; e, por fim, com Vai Malandra, entregou para os norte-americanos o que se ouve nos morros do País, o funk.
Mudança. Em São Paulo para uma agenda de promoção, Fonsi tinha saudade de casa, em Miami. “Volto hoje, mesmo”, dizia ele. “Mas é normal, é como se eu estivesse voltando para a universidade, mas já mais velho”, conta. Com Despacito, sua fama chegou a lugares nos quais sabem pouco sobre ele. “Em um dia estou em um país no qual sabem tudo de mim, noutro, preciso explicar como dizer meu nome”, explica.
Na cidade, ele vinha divulgar as datas da sua turnê por aqui, no mês de maio: dia 3, em Curitiba; dia 4, em São Paulo; e dia 5, no Rio de Janeiro. “Se esse sucesso viesse antes, não aproveitaria tanto”, garante. “Já tive sucessos, já tive fracassos. É isso que faz um artista.”
PARA OUVIR OS LATINO-AMERICANOS
Gustavo Elis Nome quente do pop venezuelana, Elis integrou uma boy band (é claro) chamada Calle Ciega. Como artista solo, habita um ambiente sonoro mais urbano e cheio de sacarose.
Prince Royce Norte-americano nascido no Bronx, Nova York, mas com sangue dominicano nas veias, aposta na candura da sua voz e o rosto de bom moço. Seu último disco saiu no ano passado
J Balvin O cantor de reaggaton colombiano se aproveitou do sucesso de Despacito e lançou a música Mi Gente, ultrapassou 1 bilhão de views no YouTube
Anitta A cantora brasileira percebeu a abertura do mercado norte-americano e lançou, em sequência, quatro canções e clipes inéditos que apresentavam ela para a nova audiência. Foi um sucesso
Daddy Yankee O rapper porto-riquenho que faz o dueto de Despacito com Fonsi já era conhecido no mercado fonográfico pela música Gasolina. Prevê um novo álbum solo ainda para 2018
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