Como o Lollapalooza foi de festival alternativo a megaevento de música pop

O festival chega a mais uma edição brasileira com Olivia Rodrigo, Shawn Mendes e Justin Timberlake entre os headliners, mas já foi sinônimo da cultura underground e ‘casa’ de bandas de rock como Metallica e Ramones

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O ano era 2012 e o então estudante Abner das Dores, com 21 anos, resolveu desembolsar R$ 300 para assistir a uma de suas bandas preferidas, o Arctic Monkeys. Era a estreia de mais um festival internacional no Brasil – o Lollapalooza Brasil –, que prometia levar um público jovem e alternativo para dois dias de shows no Jockey Club de São Paulo.

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Quem for ao Autódromo de Interlagos para o Lollapalooza 2025 entre sexta, 28, e domingo, 30, vai ver que muita coisa mudou.

“Era uma galera mais indie, mais alternativa, as mesmas pessoas que frequentavam os ‘rolês’ indie rock no começo dos anos 2010″, relembra ele. O público, na faixa etária entre 18 e 25 anos, pagava até R$ 500 para, além de Arctic Monkeys, assistir a bandas como Foo Fighters, Joan Jett e The Blackhearts, Skrillex e Jane’s Addiction.

Imagem do Lollapalooza 2023. O festival retorna nesta sexta, 28, com sua edição mais pop até então. Foto: Taba Benedicto / Estadão

O preço já era salgado para a época e gerou polêmica por ser expressivamente mais alto do que os valores do Lollapalooza Chile, com ingressos vendidos por 60.000 pesos chilenos (aproximadamente R$ 208 à época). A inflação foi aumentando, os valores das entradas para o festival foram subindo – e incorporando experiências VIP – e o line-up foi ficando cada vez mais pop.

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Para assistir aos shows deste ano, de artistas superpops como Olivia Rodrigo, Shawn Mendes e Justin Timberlake, que serão distribuídos em três dias, o público vai desembolsar entre R$ 630 e mais R$ 3 mil.

Além das atrações principais, o festival incluiu outros nomes mainstream do gênero, como Benson Boone e Tate McRae. A mudança reflete não apenas a própria demanda atualmente do mercado musical, mas também o fato de que quem organiza o Lollapalloza agora é Rock World - mesma produtora do Rock in Rio.

“O Lolla mantém a base entre pop, rock, música urbana e eletrônico”, explica Marcelo Beraldo, diretor artístico do Lollapalooza Brasil. “Os festivais, de certo modo, são um reflexo do que ocorre no mercado como um todo. O pop hoje é o gênero mais consumido, então é natural que ele tenha um espaço maior nos festivais.”

A história do Lollapalooza

A visão de que o Lollapalooza era um festival mais voltado ao público indie remete também ao seu surgimento nos Estados Unidos, em 1991, com uma turnê de despedida da banda Jane’s Addiction (que, claro, retornaria entre idas e vindas nas décadas seguintes, inclusive para se apresentar por aqui na primeira edição brasileira do festival).

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Com o grupo já em frangalhos e cheio de desentendimentos nos bastidores, o vocalista Perry Farrell, considerado o criador do Lolla, acreditava que uma turnê que unisse bandas da cultura underground e alternativa poderia fazer sucesso com um público mais amplo.

A primeira edição ocorreu em um dia de sol fervente no deserto do Arizona com atrações como Nine Inch Nails, Violent Femmes, Siouxsie and the Banshees e Ice-T e seguiu viajando os Estados Unidos.

Nos anos seguintes, o festival continuou com o rock alternativo como carro-chefe, mas deu espaço para o punk, rap e o eletrônico, sempre abrindo caminho para artistas menos conhecidos e celebrando a cultura underground.

Já naquele período, a atração principal costumava ser mais mainstream para atrair um público maior, mas nada de música pop. A título de exemplo, foram headliners das primeiras edições do festival bandas como Red Hot Chilli Peppers, Green Day, Metallica e Ramones.

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Essas histórias são contadas no livro Lollapalooza: The Uncensored Story of Alternative Rock’s Wildest Festival (Lollapalooza: A história sem censura do festival mais selvagem do rock alternativo), dos jornalistas Richard Bienstock e Tom Beaujour. Recém-lançado nos Estados Unidos, o livro também narra as dificuldades que o festival passou nos anos seguintes, tentando unir a cultura alternativa com o retorno financeiro que o manteria de pé.

O Lollapalooza foi interrompido em 1997 e voltou só em 2003, último ano em que foi realizado como um circo itinerante pelos EUA. A partir de 2005, o Lolla encontrou casa no Grant Park, em Chicago, onde segue sendo realizado até hoje. O festival se adaptou ao mercado, crescendo e lançando edições na América do Sul e na Europa - e se distanciou de sua raiz alternativa.

O Lolla de hoje

Atualmente com 34 anos, Abner das Dores é um engenheiro de software que coleciona sete idas ao festival. Acompanhou as alterações da edição brasileira e viu, além da mudança de local, o line-up agregar gêneros além do indie e do rock e a inclusão de outros atrativos além da música, como a roda gigante e as famosas ativações das marcas patrocinadoras, que, acreditem, também atraem o público.

Há quem vá ao Lollapalooza pela experiência, o que também inclui esperar em filas demoradas para brindes de patrocinadores e caminhar quilômetros entre um show e outro.

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Beraldo argumenta que as ativações são consequência de marcas que se identificam com o festival e seu público, mas que a organização não deseja que isso seja maior do que a essencial do evento: a música.

Os patrocinadores são super bem-vindos, nós agradecemos a eles, mas o principal do festival é a música e a música está nos palcos.

Marcelo Beraldo, diretor artístico do Lollapalooza Brasil

O frequentador Abner lembra ainda que, com a mudança do evento do Jockey para o Autódromo de Interlagos, o público ficou maior, algo que, para ele, prejudicou a experiência do festival. “Ficou pior ainda com o quarto palco, que eu acho completamente desnecessário. [...] Eu entendo a visão de que, quanto mais gente colocar no festival, mais a empresa consegue lucrar com isso, mas eu acho que acaba perdendo um pouco da qualidade do festival”, diz.

Montagem do Lollapalooza 2025 no Autódromo de Interlagos na última quarta-feira, 19. Foto: ALEX SILVA

Abner vai faltar neste ano - mas não porque acha que não vale a pena ou porque o festival perdeu a sua essência, como ele acha. Ele não conseguiu se organizar para ir.

“Eu gosto muito de festivais e de shows. Gosto de assistir mesmo a bandas das quais não sou megafã. Gosto de conhecer coisa nova, já conheci muita banda no Lollapalooza”, conta. “É uma pena não estar lá este ano.”

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Essas mudanças no line-up poderiam ser entendidas como uma tentativa de se aproximar de um público mais jovem. A organização do Lolla discorda e ressalta que das seis atrações principais, apenas duas ou três seriam realmente voltadas para um público mais jovem.

Enquanto alguns críticos apontam que tem sido confuso entender a proposta do Lollapalooza Brasil do ponto de vista musical, Beraldo diz que o festival, independentemente do gênero, tem sido responsável por trazer ao País “os artistas mais relevantes do momento.”

O diretor artístico do Lolla Brasil argumenta que a audiência se fragmentou - algo que se refletiu na programação do festival: “Os mesmos fãs que escutam pop também escutam rap, rock e eletrônico. Pode ser em menor grau, mas escutam. Temos que ter um pé em tudo.”

Talvez seja justamente um pé no alternativo e outro no pop que faz com que um grande público compareça ao Autódromo de Interlagos todos os anos - em 2024, 240 mil pessoas passaram pelo Lolla Brasil.

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