Cultura sente o baque da crise e se prepara para a 'travessia' de 2016

Sesc corta shows internacionais, projetos trocam nomes consagrados por artistas menores e empresas reavaliam investimentos

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Foto do author Julio Maria
Atualização:

A crise chegou à cultura. Com o maior nível de desemprego desde 2010 e o dólar cotado acima dos R$ 3,80, grandes empresas, donos de casas de show e produtores refazem estratégias para o final de 2015 e contam as moedas para 2016. Cada área tem sentido o golpe a seu modo (veja abaixo como elas reagem) e investido em novas formas de arrecadação para fazer o show continuar.

Festival Natura Musical será realizado, pela primeira vez, na Praia de Copacabana Foto: Leonardo Soares/Estadão

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A música anda em rotação menor. O Sesc, que tem como fonte de renda direta o nível de emprego do País, recebendo 1,5% sobre a folha de pagamento das empresas, decidiu cortar contratações em moeda estrangeira. “Estamos quase que eliminando shows com grupos internacionais. O fato de o câmbio ter estourado inviabilizou isso”, diz Danilo Santos Miranda, diretor regional da instituição. Outro realinhamento será feito com relação aos shows de grande porte, como os de Caetano Veloso, Lenine, Gal Costa e Gilberto Gil. Danilo Miranda diz que esses artistas são sempre trazidos depois de muita negociação e que seus cachês nunca são os mesmos pagos por grandes casas, mas que sua frequência deve diminuir. “Vou ter que medir mais, ver se compensa. Vamos ter que trabalhar com muito mais cuidado.” Há três anos, a Petrobrás destinava a maior verba de sua história para o projeto de investimento na área cultural: R$ 67 milhões para 11 segmentos diferentes. Artistas que eram aprovados por uma comissão formada por especialistas recebiam em torno de R$ 600 mil para gravar um disco e fazer shows para lançá-lo pelo Brasil. Estúdio, viagens, assessoria de imprensa, tudo era garantido por um projeto que se orgulhava da transparência de seus processos e da qualidade dos álbuns que dava vida. Os investimentos na área musical não foram retomados desde 2012 por conjunções astrais internas e externas. Além de se tornar celeiro de um dos maiores escândalos em desvios milionários, deflagrando o atual abalo político-econômico no País, a estatal levou outro golpe com a guerra pelo preço do petróleo travada entre Estados Unidos e Arábia Saudita. Em reação ao aumento da produção dos EUA em território americano, os sauditas colocaram seus estoques a menos de US$ 50 o barril para minar a concorrência. O problema é que, junto com Obama, deslizam para o poço as exportações da Venezuela e do Brasil, puxando o faturamento para baixo. Uma fonte afirma que este é o momento em que as estratégias para 2016 estão sendo traçadas. Será um ano de aperto e reajustes sem nenhuma garantia de que o projeto específico para a música seja retomado. E, antes de defini-lo, haverá pesquisas de opinião para entender melhor como seu público percebe as ações. A boa nova é que a empresa já sabe que fazer cultura não é fazer bondade – ou só fazer bondade. As únicas notícias positivas atreladas ao nome Petrobrás nos últimos anos foram lidas nos cadernos de cultura. Ao contrário da visão dos anos 90, a arte e o entretenimento passaram a ser o principal veículo de comunicação das empresas e o cofre em que seus recursos ficam guardados recebeu a etiqueta de “verba de marketing”. A empresa de cosméticos Natura construiu nos últimos dez anos um projeto sólido na área musical. Atrações regionais e outras maiores, como Emicida, Gal Costa, Ney Matogrosso, Elza Soares, Arnaldo Antunes, BNegão e Tom Zé fizeram discos caros e de produção espaçosa, pagos com uma verba dividida em dinheiro de incentivos fiscais (aquele que se não fosse para a cultura iria para os cofres do Imposto de Renda) e em verba de marketing. Depois de gravar como quer, às vezes até fora do País, os abençoados saem em turnê com tudo bancado pela empresa, que não interfere no conteúdo artístico por não depender de venda. A crise não mudou o conceito do projeto, diz Fernanda Paiva, gerente de marketing institucional da Natura. O conceito não mudou, mas o dinheiro agora é uma incógnita. É certo que os projetos de 2016 contarão com a verba incentivada de R$ 6,4 milhões, mas a empresa ainda não definiu quanto vai colocar do próprio bolso. Em 2014, foram R$ 15,1 milhões, sendo destes R$ 8,4 milhões de dinheiro próprio. Critérios de seleção também devem ser redefinidos para uma escolha mais precisa. “A ideia é reinventar algumas fórmulas para gerar mais frutos e sermos mais eficientes.” Depois de horas em reunião, as vozes do marketing convenceram as planilhas da direção de que o retorno à marca é visível e saiu com uma vitória: pela primeira vez, a empresa vai realizar um festival com seus artistas na Praia de Copacabana, em novembro, de graça, com recursos próprios. Há outra boa notícia: em época de crise, quem deve ganhar é o artista de médio porte, que não tem a mídia a seu dispor mas que já está no ponto para a virada. “A limitação de verba vai nos fazer olhar para esses artistas com mais frequência”, diz Edgar Radesca, sócio do Bourbon Street e produtor de festivais de jazz. Eduardo Saron, diretor do Instituto Itaú Cultural, vai na mesma toada: “É a hora de olharmos mais para a essência”.

Como ficam as outras áreas na crise:

Musicais enxugam salário e produção

Espetáculos grandiosos, os musicais costumam ter orçamento entre R$ 8 milhões e até R$ 12 milhões. “Agora, finalmente todos terão que se adequar à realidade”, acredita o ator e produtor Claudio Botelho. “Antes, todos os cachês eram elevados, desde o figurinista e o cenógrafo até o aluguel do teatro. Na fase atual, é preciso baixar o valor para não ficar sem trabalho.” De fato, Botelho e Charles Möeller só conseguiram viabilizar 'Kiss Me Kate', que estreia no Rio no final do mês, depois de adequar a produção. “Inicialmente, o custo era de R$ 5 milhões, mas só conseguimos 25% desse valor”, conta Botelho. “Tivemos de reduzir o tempo de ensaio para pagar menos tempo da sala e o custo foi todo otimizado.” “O importante agora é se reinventar, é ser criativo”, acredita Botelho. “Com a crise, foi possível notar que os espetáculos que antes eram muito caros ainda existem, mas com menos dinheiro investido.” / Ubiratan Brasil

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Cinema só tem olhos para ação e comédia

O que teria sido de Que Horas Ela Volta? sem o Oscar? O longa de Anna Muylaert com Regina Casé, apesar do prêmio em Sundance e da bilheteria na Europa, estreou mal e só melhorou os números quando foi pré-indicado pelo Brasil para o prêmio da Academia. O ano não está sendo bom para o cinema brasileiro e, menos ainda, para os dramas. Só Ingrid Guimarães e Paulo Gustavo riem à toa. Com mais de 70% de share – a participação dos filmes brasileiros no mercado –, a Paris Filmes faturou quase 4 milhões de espectadores com Loucas para Casar, 2,7 milhões com Meu Passado Me Condena 2 e 2,5 milhões com Carrossel. Vai Que Cola – O Filme ultrapassou 1,7 milhão em duas semanas. Moral da história. De drama basta a vida. O público quer diversão. O exibidor Adhemar Oliveira constata: o gosto está mais certeiro. As pessoas apostam menos. Isso aumenta a estatística (Velozes e Furiosos 7, Jurassic World) e o abismo em relação aos filmes pequenos. / Luiz Carlos Merten

Mercado de arte segue em ritmo desacelerado

O mercado de arte já reflete a crise econômica com menos negócios e exposições, sejam elas em instituições públicas ou galerias. Espelho sempre fiel desses segmento, os leilões de arte não negociam obras de grande valor, como no primeiro semestre. É raro surgir uma obra disputada avidamente por colecionadores nesses leilões, em que a presença de contemporâneos tem diminuído consideravelmente. Em tempos de insegurança, as apostas convergem para os artistas históricos do modernismo, com maior liquidez. As galerias comerciais mostram cautela ao programar exposições com artistas estrangeiros, desde que a White Cube fechou suas portas. Muitas estão investindo em novos espaços para diversificar a oferta, abrindo galpões ou filiais em outras cidades (como no Rio). Os colecionadores já olham com simpatia novos talentos que surgem, investindo pouco e ganhando no longo prazo. / Antonio Gonçalves Filho

Editoras de livro sofrem com cancelamentos de editais 

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Um mercado dependente das (antes) polpudas compras governamentais certamente sente quando o cliente pisa no freio. Em 2015, o governo federal não vai renovar o acervo das bibliotecas escolares e o governo do Estado cancelou edital de R$ 18 milhões para compra de títulos para alunos e professores. O didático, porém, foi preservado. Esses eventos vão aparecer na próxima pesquisa sobre o setor, mas é preciso lembrar que as edições anteriores já apontavam para uma recessão. Não porque o brasileiro compra menos, mas, principalmente, porque a concorrência fez o preço do livro cair. “Este é um ano de cautela. A crise é grande, mas ainda não sinto que chegamos no fundo do poço”, diz Luiz Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro, que acaba de anunciar a Bienal 2016 e já percebe editoras procurando estandes maiores do que os ocupados em 2014. / Maria Fernanda Rodrigues 

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No teatro, a busca para reatar laços com plateia

Passou o tempo no qual os artistas buscavam apenas políticas públicas de incentivo como Lei Rouanet para executarem seus projetos. “Noto que os grupos já chegam com a ideia de crowdfunding”, explica o produtor cultural Leandro Brasílio sobre as campanhas criadas para arrecadar recursos coletivamente. Diante de uma retração econômica, ele afirma que a medida pode garantir certa segurança e mais flexibilidade, se comparado aos burocráticos editais e seus formulários. “Os grupos vão conseguir realizar suas atividades sem um ‘controle’ do poder público e mostrar trabalhos relevantes para a sociedade.” Ele crê que o cenário pode viabilizar novas relações de captação, o que vai resgatar o público como figura essencial no teatro. “Antes, o artista poderia ser considerado um servidor do Estado, por depender dele em seus projetos. Hoje, a plateia pode ser parte dos planos do produtor”. / Leandro Nunes

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