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Análise|‘Cura gay’, abuso de drogas, amor por Bowie e Warhol: nova biografia investiga a vida de Lou Reed

Polêmico e genial astro do rock, fundador do Velvet Underground, é tema da biografia ‘Lou Reed: O Rei de Nova York’, livro monumental que chega ao Brasil

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A vida de Lou Reed (1942-2013) foi complexa como sua música. Reverenciado por suas explorações sonoras e letras transgressoras, ele foi um dos fundadores do Velvet Underground, responsável por influenciar uma legião de artistas como Iggy Pop, Leonard Cohen, Patti Smith, Nick Cave, R.E.M. e David Bowie.

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Foi cunhado por Bowie, inclusive, o apelido ‘O Rei de Nova York’, título da nova e monumental biografia de Reed escrita pelo crítico musical norte-americano Will Hermes, primeiro biógrafo a obter acesso ao acervo do artista na Biblioteca Pública de Nova York – fator preponderante para a concepção do retrato definitivo deste genial e polêmico astro do rock.

Da infância conturbada aos silenciosos dias finais, Hermes investiga a personalidade de Reed, afetada desde a adolescência, quando ele foi submetido pelos pais a um tratamento de choque (eletroconvulsoterapia) com intuito de ‘curar sua atração por homens’, uma espécie de ‘cura gay’ paranoica do pós-guerra que obviamente não obteve sucesso e ainda deixou o roqueiro tão confuso a ponto de ele ser rejeitado pelo exército por ser considerado mentalmente incapaz.

O cantor e compositor americano Lou Reed se apresentando em São Paulo, em 2000 Foto: J.F. Diorio / Estadão

Inspirado pelos autores William S. Boroughs, Hubert Selby Jr. e Allen Ginsberg, Reed desenvolveu-se primariamente como escritor. Ele não via diferença entre escrever livros, poemas ou letras, aspecto que provavelmente explica a qualidade de suas sombrias composições.

Nos anos 60, no auge da contracultura, Reed formou o Velvet Underground com John Cale (britânico com formação clássica), Sterling Morrison e Maureen Tucker, e logo conheceu o badalado símbolo da pop-art Andy Warhol (1928-1987), com quem fortaleceu um intenso caso de amor, sem cunho sexual. Personalidades distintas que se complementavam, ambos tiveram uma juventude problemática e encontraram na arte a salvação. Warhol era gay assumido e afeminado, enquanto Reed, bissexual, emanava um ar másculo e truculento.

O vínculo foi materializado em The Velvet Underground & Nico, de 1967, o ‘Disco da Banana’, devido à famosa estampa com o desenho da fruta, considerado um dos maiores registros musicais de todos os tempos. Além de conceber a arte de capa, Warhol foi patrocinador, produtor e empresário da banda, que lhe serviu como plataforma midiática para unir arte, música e cinema (com a adição da atriz alemã Nico, de A Doce Vida, ao grupo).

O conjunto, movido a tensões, não teve longevidade nem sucesso comercial, tendo lançado cinco álbuns de estúdio (apenas quatro com Reed). O reconhecimento veio, na verdade, muitos anos depois, na medida em que o impacto de canções como Pale Blue Eyes, Venus In Furs e I’m Waiting For The Man foi se alastrando pela cultura popular.

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O artista que talvez mais tenha sido inspirado pelo som dos Velvets foi David Bowie. Nos começo dos anos 70, o ‘Camaleão do Rock’ finalmente realizou o sonho de conhecer seu herói e os dois rapidamente ficaram próximos. Ambos eram ambiciosos, sentiam-se marginalizados, gostavam de beber e usar drogas. “Bowie havia perdido o pai não fazia muito tempo, e era bem provável que visse em Reed, cinco anos mais velho e com uma já lendária carreira musical, não só um irmão mais velho, mas também uma figura paterna”, escreve Hermes.

O cantor Lou Reed é fotografado em hotel de São Paulo, em 2000 Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

‘Herói’ da cultura queer

O livro se esforça para apresentar Reed a uma nova geração, alçando-o ao status de ‘herói’ da cultura queer, rótulo usado para se referir àqueles que não se identificam com nenhum gênero. Hermes, no entanto, adota uma postura estritamente jornalística, sem julgar ou bajular as atitudes do biografado.

Boa parte do conteúdo, claro, é destinado ao período do Velvet Underground, trecho complementar a quem assistiu ao premiado documentário sobre o grupo dirigido por Todd Haynes, lançado em 2021. Mas há muitos detalhes sobre a versátil carreira solo do cantor, cristalizada em obras como Transformer (1972), marco do glam rock pautado por temas controversos; Berlin (1973), trágica e conceitual ópera rock; New York (1989), desabafo poético contra a sociedade apodrecida; Songs For Drella (1990), reunião com John Cale em tributo a Warhol; e Lulu (2011), parceria incompreendida com a banda de heavy metal Metallica.

Anedotas curiosas também permeiam a publicação. Uma delas, por exemplo, relaciona Reed a outro trovador mitológico de Nova York, o cineasta Martin Scorsese. “O diretor tentou, sem sucesso, desenvolver um projeto baseado em Dirty Blvd. [canção de Reed], defendendo em uma carta que Johnny Depp interpretasse o protagonista Mambo. Scorsese também convidou Reed para fazer um teste para o papel de Pôncio Pilatos em A Última Tentação de Cristo, e teria sido uma brilhante escalação se Bowie não tivesse conseguido o papel”, relata o biógrafo.

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Adepto de cocaína e whisky, Reed foi particularmente atraído pela heroína, droga que o fazia se ‘sentir como homem’, conforme ele cantou na canção Heroin, cuja letra perturbadora detalhava o sangue subindo pelo bico de uma seringa caseira.

A conta pela vida autodestrutiva chegou. Reed morreu aos 71 anos em decorrência de uma doença hepática. Nos parágrafos finais, o leitor vê aquela figura poderosa esvanecer de forma melancólica. Frágil, o músico passou os dias finais acompanhado de amigos e da esposa Laurie Anderson (também cantora), boiando na piscina aquecida e ouvindo uma playlist que ia de Nina Simone a Radiohead. Suas últimas palavras foram: ‘Me leve para a luz’.

Capa da nova biografia de Lou Reed, escrita por Will Hermes Foto: Divulgação/Editora BestSeller

Lou Reed: O Rei de Nova York

  • Autor: Will Hermes
  • Tradução: Lívia de Almeida
  • Editora: BestSeller (576 págs.; R$179,90)

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Análise por Gabriel Zorzetto

Repórter de Cultura do Estadão

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